São Paulo, sábado, 03 de março de 2007

Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

David Lynch mostra sua arte em Paris

Com novo filme, diretor de "Veludo Azul" exibe seus desenhos, quadros e fotografias a partir de amanhã, na Fundação Cartier

Obras seguem a obsessão do cineasta pelas metamorfoses e têm conexões com "Twin Peaks" e "Eraserhead"


ALEXANDRE WERNECK
COLABORAÇÃO PARA A FOLHA, DE PARIS

Um homem, na tela, transforma-se em outro. Uma mulher, na tela, se transforma em outra. Um personagem disforme, em um quadro, feito de tinta, mistura-se com o cenário, a ponto de quase desaparecer. Tem sido assim o trabalho do artista americano David Lynch: uma explosão de transformações e evaporações de sujeitos.
"Bem... Eu não sei", responde Lynch, 61, à Folha, sobre o porquê de uma dedicação tão grande à metamorfose em sua carreira artística, marcada por filmes desafiadores, capazes de dar nós em muitas cabeças, como "A Estrada Perdida" e o novo "Inland Empire".
A resposta veio para o riso e a perplexidade de um grupo de jornalistas atentos ao cineasta logo após um "tour" pela impressionante exposição "The Air Is on Fire", que a Fundação Cartier de Arte Contemporânea abre para o público na capital francesa amanhã, com um inédito retrato do quase desconhecido trabalho de Lynch em artes plásticas.
Na imponente sede da fundação, um edifício de aço e vidro, estão reunidos, em três ambientes, mais de 500 desenhos, duas dezenas de quadros, centenas de fotografias e outras tantas alteradas por ele no computador.
Lynch tenta fazer consigo o que faz com seus personagens: quer desaparecer, confundir-se com sua obra. O "não sei" se junta a várias respostas em que ele recusa uma posição reflexiva. Em seu rosto, expressões de sofrimento para responder e uns poucos sorrisos de ironia. Diante do questionamento sobre o uso do azul nas telas, ele diz apenas que gosta da cor. Prefere atribuir sua arte à libertação produzida pela meditação transcendental, que ele pratica há 33 anos.
"O que digo na pintura que não posso dizer nos filmes é o que você vê na pintura. Cada arte tem seu mundo, e ele é sempre um mundo sem palavras", diz Lynch.

Referências
Mas ele não consegue evitar. Há conexões demais. Embora queira fazer sua direção sempre misturando os sentidos, Lynch significa. Por exemplo, Bob, personagem central da série de enormes pinturas que ocupam a sala principal do primeiro piso. É, segundo ele, "alguém que experimenta as coisas no mundo". Até para responder sobre a conexão entre este e outro Bob, o da série de TV "Twin Peaks", ele quer soar hermético. Diz: "É outro. Existem muitas pessoas no mundo chamadas Bob". Mas ficam claras as relações com suas obsessões habituais.
O som, por exemplo: ao longo da mostra, pode-se ouvir uma mesma e contínua música, "climática", "atmosférica", industrial, que poderia estar na trilha sonora de "Eraserhead", seu primeiro longa -assim como saiu claramente do teatro bizarro do filme o visual do cineminha montado no subsolo para exibir alguns vídeos.
Em alguns pontos da mostra, o visitante pode apertar um botãozinho e acrescentar à música, aleatoriamente, algum efeito sonoro industrial.
"Amo indústrias, máquinas, sons de máquinas, eletricidade. Mas, no cinema, o som e os efeitos sonoros têm que casar com as cenas. Na exposição de pintura, a idéia é diferente. Quero criar uma atmosfera, um clima fluido."


Texto Anterior: "Orfeu" tem releitura em São Paulo
Próximo Texto: Frases
Índice



Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.