São Paulo, terça, 3 de março de 1998

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DISCOS LANÇAMENTOS
Bob Dylan, a pureza imaculada

PEDRO ALEXANDRE SANCHES
da Reportagem Local

Para capitalizar uma anunciada vinda de Bob Dylan ao Brasil, a gravadora Sony redescobre em seu baú o álbum triplo "The Bootleg Series Volumes 1-3", lançado em 91, num formato bem mais pomposo que o caixotinho atual.
Já se tratava, na origem, de capitalização de gravadora. O apanhado de 58 gravações raras ou inéditas do artista norte-americano veio ao mundo como manobra para tentar refrear o comércio de piratas (os "bootlegs" a que o título se refere) que borbulha à sua volta.
A Sony brasileira leva sorte adicional: a edição da caixinha coincide com a boa acolhida de "Time Out of Mind", álbum mais recente de Dylan, entre os votantes do prêmio musical Grammy.
Não precisava nada disso. Se gravadoras pensassem a sério em algo além de dinheiro (leia texto ao lado), "The Bootleg Series" seria um lançamento sensato, só.
Sabe-se, por inúmeros exemplos, que takes alternativos, versões demo e gravações ao vivo quase sempre deixam a desejar. Pode até ser o caso dos de Dylan, mas aqui se fala de história.
Concorre para isso o fato de que 38 das faixas são (ou melhor, eram, em 91) inéditas em álbuns oficiais. A maioria foi retirada de sessões de gravações de seus discos e preteridas nos lançamentos.
O exemplo mais expressivo é "Talkin' John Birch Paranoid Blues", que a gravadora ejetou na última hora do álbum "The Freewheelin' Bob Dylan" (63), devido a alusões ao comunismo e a Hitler.
Dessa fase -62, 63- se extrai o melhor filão do pacote. Até a sexta faixa do segundo CD, o que se tem é um músico folk desacompanhado, alternando vocal, violão, harmônica, um ou outro piano. Tudo muito simples, tudo muito rústico -um retrato do primeiro Dylan.
Avizinha-se já o propalado poeta, mas também o artista quadrado que ele nunca deixou de ser. O "politicamente correto" já avança no jovem Dylan, não raro domado por alguma modalidade individualista de espírito patriótico, familiar e/ou cristão que nem a frequente ironia pôde abafar.
Só na faixa 7 do CD 2, "If You Gotta Go, Go Now", vem se instalar estrutura de banda. Tal coincide com o Dylan circa 1965, que perfurava uma simbologia mais cosmopolita em álbuns como "Bringing It All Back Home" (65), "Highway 61 Revisited" (65) e "Blonde on Blonde" (66).
"She's Your Lover Now", que ficou de fora do festejado "Blonde on Blonde", rende evidências de que a mitologia que localiza nessa fase o melhor de Bob Dylan não parece nada infundada.
"I'll Keep It with Mine", criada em 64 para Nico, aparece na voz fanha de Dylan como revelação a mais, profunda e descomprometida ("não posso fazer nada/ se você achar que sou estranho/ se digo que não amo você pelo que você é/ mas pelo que você não é") -e registrada (coincidência?) em 65.
Bem, daí adiante entram os anos 70, irregulares, e os 80, mais irregulares ainda. O lote de três canções que ficaram de fora do medonho álbum "Shot of Love" (81), em especial, é pura melancolia.
No cômputo, o contraste entre o Dylan de antes e o de agora evidencia, entre altos e baixos, ainda um artista linear -um gênio, diriam os fanáticos, mas tal afirmação é questionável. Para ouvidos brasileiros, é muito caubói e gaita a emoldurar a decantada poesia dylaniana. Tem gente que gosta.

Caixa: The Bootleg Series Volumes 1-3 Artista: Bob Dylan Lançamento: Sony Quanto: R$ 60, em média (3 CDs)


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