São Paulo, Quarta-feira, 03 de Março de 1999
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O vôo de João Falcão

Ana Carolina Fernandes/Folha Imagem
O diretor teatral pernambucano João Falcão, cujas peças "A Dona da História" e o monólogo "Uma Noite na Lua" estão em cartaz no Rio



Diretor e dramaturgo pernambucano, parceiro de Guel Arraes em "A Comédia da Vida Privada" e com duas peças em cartaz no Rio, é a nova estrela do teatro brasileiro


MARCELO RUBENS PAIVA
especial para a Folha

Em três anos, três peças de teatro, três sucessos de público e crítica e indicações para os prêmios Shell e Mambembe (melhor autor e diretor). Foi esse o vôo que levou o nome de João Falcão, 40, para o topo dos cartazes. E criou o mito.
As três peças são: "O Burguês Ridículo", "A Dona da História" e o monólogo "Uma Noite na Lua". A primeira já viajou pelo Brasil, as duas últimas estão em cartaz no Rio de Janeiro -"A Dona" faz temporada em São Paulo, a partir de 15 de abril, no teatro Alfa Real.
Os elencos das peças de Falcão são caças preciosas. Marco Nanini, Marieta Severo, Andréa Beltrão, Ari França e Enrique Diaz são alguns nomes dirigidos por ele. Mas quem é este cara que, em três anos, tornou-se o centro das atenções da cena teatral brasileira?
João Falcão é de Recife (PE), terra de Ariano Suassuna. Foi em 1980 que ele começou a escrever e dirigir. Mas nunca saiu de lá. Seu primeiro texto, "Muito pelo Contrário", era uma paródia da folclorização de sua terra. Meninos de Recife ironizavam o exotismo e os estereótipos com que eram vistos pelo restante do Brasil.
Depois vieram "Cara-Metade", "Mamãe Não Pode Saber", "A Ver Estrelas" e outras peças de um teatro jovem, cronista, musical e performático. Em 23 e 24 de março, "A Ver Estrelas", espetáculo de sua fase pernambucana que fez curta temporada em São Paulo e no Rio, será exibido no Festival de Teatro de Curitiba.
De 1980 para cá, Falcão experimentou de tudo, apurou a luz, a dramaturgia, a direção, trabalhou em publicidade, até ser descoberto pelo conterrâneo Guel Arraes -diretor de "TV Pirata" e "A Comédia da Vida Privada".
Arraes contratou Falcão para escrever "A Comédia da Vida Privada" ainda de Recife e o trouxe para o Rio de Janeiro, há três anos, entregando-lhe também o roteiro e a direção de alguns episódios do programa baseado nas crônicas de Luís Fernando Veríssimo.
De um dia para o outro, o rapaz tímido que economiza as palavras, desconhecido no eixo Rio-São Paulo, estava diante do casting dourado da TV brasileira: Marco Nanini, Ney Latorraca, Débora Bloch, Fernanda Torres e outros.
A parceria Arraes e Falcão rendeu frutos, como "O Auto da Compadecida", atravessou as fronteiras do Projac e, em 1996, a dupla dividiu a adaptação e direção de "O Burguês Ridículo". A comédia, encabeçada por Nanini, ficou três anos em cartaz.
Em 98, Falcão foi convidado pela dupla Marieta Severo e Andréa Beltrão para escrever e dirigir um texto sobre a vida de uma mulher. Ele finalizou "A Dona da História" apenas 15 dias antes da estréia. A peça está há um ano em cartaz.
Já "Uma Noite na Lua" estreou há três meses, também no Rio. É um monólogo com Marco Nanini fazendo um autor de teatro que deve escrever uma peça numa noite.
Falcão tem um estilo. Seus personagens são ordinários, deslocados, sem talento, que querem uma vida de sonhos e glamour, mas que, para isso, precisam interferir na linha traçada pelo destino.
Ambas as peças começam com uma frase que se repete. A repetição é um efeito hipnótico das dúvidas comuns. Cada vida está num furacão. Uma decisão deve ser tomada. E como é difícil tomar essa decisão. Esse estilo já pode ser batizado como "falcãoziano".
O resultado é um êxito. João Falcão tem sido assediado por atores querendo "montá-lo". Ele brinca com isso, avisando-os: "Pegue a senha".
Mas teatro não está nos seus planos neste ano. Ele prepara, com Guel Arraes e Jorge Fernando, o roteiro de um filme. É o que informou na entrevista concedida à Folha, no Rio. Leia os principais trechos a seguir.

INFLUÊNCIAS - "Fui, lógico, influenciado por Antunes Filho e Hamilton Vaz Pereira. Disseram, por aí, que eu estava enjoado do Gerald Thomas. Eu adoro ele. Ele não faz coisas há tanto tempo..."

TEATRO DE RECIFE - "No começo, negávamos um pouco o teatro tradicional de Luiz Marinho e Ariano Suassuna. Brincávamos com eles, que tinham uma pesquisa séria e profunda sobre a cultura pernambucana, enquanto nós éramos superficiais. Recife tem muitos teatros pequenos e três grandes, que exibiam coisas de lá e grandes sucessos com gente da TV no elenco. Em Recife, tinha o Vivencial, um grupo tropicalista que fazia um teatro underground. Tinha um grupo de Jaboatão. Nessa época, final dos anos 70, Recife era muito animada."

O AUTODIDATA - "Nunca estudei dramaturgia. Sou um autodidata que leu muito teatro: Brecht, os clássicos, Nelson Rodrigues e muitos pernambucanos. Sempre achei muito bonito quem faz esse trabalho de troca com um elenco, uma criação coletiva, mas eu achava isso muito difícil. Comigo, não rende. Sou amigo do autor, eu mesmo, e respeito muito ele. Mas mexo sempre. Agora mesmo, apesar do sucesso, quero mexer em "A Dona da História"."

A PARCERIA COM ARRAES - "Fiz 15 peças durante dez anos e parei para fazer publicidade. Alguns amigos me indicaram a Guel (Arraes). Apesar de sermos conterrâneos, não nos conhecíamos. Ele leu o que eu escrevi e foi para Recife me ver."

COM PRAZOS - "A Marieta (Severo) e a Andréa (Beltrão) tinham um projeto de fazer uma peça, há oito anos. Elas assistiram ao meu espetáculo, "A Ver Estrelas", que não teve muita repercussão. Me ligaram no mesmo dia, me convidando para esse projeto. Me perguntaram se eu tinha alguma coisa. Elas não queriam fazer nada relacionado a mãe e filha. Eu não tinha nada. Me deram um prazo. Quando começamos a ensaiar, eu só tinha dez páginas de um texto. Eu nem sabia como aquilo iria terminar. Elas começaram a produzir confiando totalmente em mim. Acabei o texto 15 dias antes da estréia. Eu preciso de prazos para escrever."

COM MUDANÇAS - "A peça do Nanini eu também escrevi em cima da hora. No dia da estréia, eu ainda estava escrevendo, com um papel apoiado no joelho. Pior, coisas que eu tinha cortado do texto tiveram de voltar, porque o Nanini, dois dias antes da estréia, sentiu saudades desses trechos. Eu tinha que mudar a estrutura de novo. Teatro tem essa vantagem, é aberto para fazer mudanças."

SEM LIMITE - "Tudo o que eu escrevo tem a ver comigo. Me sinto bem deslocado, às vezes. Claro que o gênero é ficção. Porque só começo a escrever, mesmo, quando começo a me distanciar e a criar coisas que não aconteceram nem têm nada a ver comigo. Quando escrevo, já penso em tudo, nos efeitos, na direção. Se é viável ou não, descubro depois. O pensamento não tem limites. Se eu pensar em dois elefantes entrando no palco, eu escrevo e espero que a produção me diga, em determinado momento: "Isso não dá". Na peça do Nanini, por exemplo, eu queria que as cadeiras tremessem, como uma atração da Disney. Não deu (risos)."


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