|
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice
Cia. do Latão abre processo criativo
Pela primeira vez, grupo teatral experimenta fazer ensaio aberto; entrada é gratuita hoje, amanhã e na semana que vem
Os espectadores embarcam numa "experiência pedagógica" sobre a meto-
dologia da cia., participando efetivamente dos ensaios
GUSTAVO FIORATTI
DA REPORTAGEM LOCAL
A cena que estava em curso
no palco do Sesc Santana mostrava uma viúva aflita, sem ter
onde enterrar o marido morto.
Um acordeão acompanhava
com melodia triste, até que o
diretor do grupo Latão, Sérgio
de Carvalho, interrompeu. "Joga mais luz aqui, por favor, quero menos clima, ok?" Os atores
congelaram por um momento,
esperaram a mudança na iluminação, depois deram continuidade ao espetáculo inacabado, que a companhia deve estrear apenas em agosto.
Aberto ao público, o processo
de criação para a próxima montagem do Latão prevê outras
sessões, hoje e amanhã, às 20h.
Também na próxima semana,
de quarta a domingo, os espectadores embarcam numa "experiência pedagógica" mais intensa sobre a metodologia de
trabalho da companhia, participando efetivamente dos ensaios, sempre das 15h às 22h.
É a primeira vez que o Latão
experimenta um modelo já
usado, por exemplo, por Zé Celso no Oficina. "Ópera dos Vivos" é o nome que a montagem,
dividida em quatro pequenos
espetáculos articulados, deve
ganhar quando pronta.
Inclusive o texto da peça está
apenas rascunhado, com base
em uma pesquisa sobre a produção artística dos anos 60.
Quatro histórias
Quatro momentos são reconhecidos pelo trabalho: os anos
que antecedem o golpe de 1964,
a produção artística que prossegue até 68, o retrocesso provocado pelo AI-5 e os anos que
se estendem década de 1970
adentro, com o fortalecimento
da indústria cultural.
O tema do endurecimento do
regime aparece também sob
uma perspectiva econômica,
tendo ao fundo um aquecimento global em contraposição à
paralisia provocada pelos atos
institucionais e pela censura.
"Houve um corte histórico
violento na produção artística.
Muita gente morreu, muita
gente foi exilada, muita gente
foi levada para a clandestinidade, e alguns sobreviventes acabaram incorporados pela indústria cultural. Não é a toa que
a geração de esquerda dos dramaturgos do Teatro de Arena
foram trabalhar na Rede Globo", diz Carvalho.
A pesquisa traz traços de
obras produzidas à época. É
possível reconhecer uma espécie de sombra dos filmes de
Glauber Rocha, do musical
"Roda Viva", de Chico Buarque,
e de peças de Oduvaldo Vianna
Filho. Tudo redesenhado para
evitar a iminência de um anacronismo ideológico e estético.
A polarização política que
marcou a década pode ter dado
base a "muita coisa ruim", inclusive nos anos posteriores
que tentaram retratar o período, diz Carvalho, mas para ele
aquela inquietação foi fértil e
determinou caminhos futuros.
Uma de suas motivações para
escrever "Ópera dos Vivos" foi
um depoimento recente de
Ferreira Gullar desqualificando sua própria experiência artística no pré-64, "como se ela
tivesse sido ingênua politicamente e ruim esteticamente",
diz Carvalho. "Como se a inquietação política que alimentava aquela obra antes fosse um
limite, que a prendia a uma má
qualidade estética. Isso é mentira", protesta o diretor.
ÓPERA DOS VIVOS: ABERTURA
DE PROCESSO
Quando: Hoje e amanhã, às 20h; de 7
a 11 de abril, das 15h às 22h
Onde: Sesc Santana (av. Luiz Dumont Villares, 579, tel. 2971-8700)
Quanto: grátis (12 anos)
Texto Anterior: Crítica/filme/"A Estrada": Filme é menos rico do que o livro e mais fraco que fita de zumbi Próximo Texto: Frase Índice
|