São Paulo, Sábado, 03 de Abril de 1999
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CULTURA JAPONESA
Cem discípulos de Nenpuku Sato (1898-1979) tentam manter viva tradição dos poemas de três versos
Mestre do haicai ganha homenagem

JOSÉ ALBERTO BOMBIG
das Regionais

Quando Nenpuku Sato quis deixar o Japão, aos 29 anos, para tentar a vida no interior de São Paulo, em 1927, o mestre de poesia Kyoshi Takahama deu a ele um mandamento: "Vá e semeie o haicai (poema japonês) na nova terra".
Enquanto esteve vivo, Sato morou no Brasil e cumpriu o mandamento de Takahama, um dos principais mestres do haicai (haiku) japonês -poema "instantâneo", de apenas três versos.
Hoje, passados 20 anos da morte de Sato, em 1979 na cidade de Bauru (SP), os frutos que o haicaísta dos trópicos plantou permanecem inacessíveis aos brasileiros.
Pior: dos cerca de 6.000 discípulos que ele amealhou no Brasil, calcula-se que apenas mil se mantêm em atividade. A maior parte deles tem mais de 70 anos.
Amanhã cem discípulos de Sato se reúnem em um pequeno clube da Liberdade -bairro com maior concentração de japoneses em São Paulo- para iniciar as comemorações dos 20 anos de sua morte (conforme manda a tradição budista) e dos 40 anos da morte de Takahama (1874-1959).
É uma tentativa de manter vivo o trabalho do poeta. No Brasil, no auge de sua "pregação", Sato chegou a viajar por quatro Estados, visitando as colônias e ensinado sua técnica. "Mas isso está acabando. É uma arte restrita aos velhos, pois os filhos dos imigrantes não se interessam muito pelo assunto e os brasileiros não conhecem a língua", diz o poeta Gyudoshi Sato, 80, irmão de Nenpuku e organizador do encontro.
Apesar de ter produzido muito -pelo menos 10 mil haicais-, Sato só publicou dois livros. Um no início dos anos 50 e outro nos anos 60. O próprio poeta e tradutor Haroldo de Campos, um dos principais estudiosos do haicai no Brasil, diz ter pouco conhecimento da obra de Sato, apesar de reconhecer sua importância.
Para o Brasil, esses haicais são um tesouro que permanece praticamente inédito. "O haicai é como uma máquina fotográfica, que registra um instante. A obra dele revela muito do Brasil", diz o poeta e tradutor Maurício Arruda Mendonça, de Londrina (PR), que pesquisa o tema desde 1988.
Mendonça defende a inclusão de Sato numa antologia de poesia no Brasil. "Ele escreveu em japonês, mas produziu com base no que viveu aqui", afirma ele, que já traduziu 40 poemas de Sato.
Nesses haicais estão registradas as impressões dos imigrantes sobre a nova terra, sua natureza exótica e o trabalho árduo na lavoura.
A obra também marca a ascensão do haicai verdadeiramente nipônico no Brasil. Até então, predominava por aqui o haicai que já havia sido traduzido para o francês.

Encontros
Os encontros dos haicaístas ocorrem pelo menos duas vezes por ano. A tradição foi criada pelo próprio Nenpuku Sato, há 40 anos, para homenagear o primeiro aniversário da morte de Takahama.
Entre um ritual e outro, os participantes da celebração de amanhã, na Associação dos Imigrantes da Província de Iwate, passarão o dia escrevendo haicais com base em um tema ligado à natureza.
Segundo Gyudoshi, haicaístas japoneses do Paraná, Mato Grosso e interior de São Paulo, além dos da capital paulista, participarão do encontro. Ao final, os melhores trabalhos serão premiados.
Outro encontro será realizado em outubro, mês da morte de Sato. No ano passado, os encontros marcaram o centenário de nascimento do poeta.
O encontro vai começar às 9h e é gratuito. A associação fica na rua Tomaz Gonzaga, 95. Liberdade.


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