São Paulo, sábado, 3 de maio de 1997.

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Africanos vasculham desejo e identidade

Divulgação
Imagem de homem negro feita por Rotimi Fani-Kayode


EDER CHIODETTO
Editor-adjunto de Fotografia

Dois fotógrafos africanos. Duas formas díspares de ver o corpo do homem negro como território para indagações sobre sexualidade e identidade. Esse é o eixo central das exposições de Rotimi Fani-Kayode e Seydou Keita que serão abertas hoje na Pinacoteca, dentro do 3º Mês Internacional da Fotografia, realizado pelo Nafoto.
O nigeriano Rotimi (1955-1989), que morava em Londres, utiliza elementos da cultura ioruba para mesclar diabolicamente o sagrado dos rituais religiosos com o profano do corpo trêmulo de desejo. Na exposição, há algumas obras de seu namorado Alex Hirst.
Rotimi é frequentemente chamado de Mapplethorpe negro, em referência ao fotógrafo americano. De fato, há coincidências nas biografias de ambos. Homossexuais, que tematizaram a sexualidade masculina, militaram pelas minorias e morreram precocemente, em 89, vitimados pela Aids.
Mas conceitualmente seus trabalhos são distintos. Enquanto Mapplethorpe questiona a moral do modo de vida americano, Rotimi utiliza os mesmos meios para fazer uma elegia à sexualidade do homem negro, invocando forças da natureza e simbologias africanas. Também está nessas imagens toda a raiva pessoal de quem se sentia à margem.
``Sou um marginal por três razões: minha sexualidade, meu desenraizamento geográfico e cultural e por não ter me tornado o homem casado e respeitável que meus pais esperavam'', dizia.
É muito interessante que Seydou Keita, fotógrafo do Mali, com 74 anos, tenha sido escolhido para estar ao lado de Rotimi. Seus trabalhos e suas vidas são opostas. Keita trabalhou sempre em Bamako, sua cidade natal. Entre 45 e 77, num pequeno laboratório, improvisou um estúdio onde fazia retratos por encomenda, para pessoas de bom poder aquisitivo, já que os camponeses acreditavam que suas almas poderiam ser roubadas quando fotografados.
Preto-e-branco
Para realizar suas fotos, sempre em preto-e-branco, ele colocava algum tecido ou tapeçaria estampado de fundo. Como as roupas, sobretudo das mulheres, são sempre ricas em desenhos geométricos, Keita conseguiu surpreendentes efeitos de texturas. As poses são simples e delicadas, como a luz suave que ele conseguiu.
Tudo em Keita transpira elegância e ternura. É o exercício da paixão, mas já no estágio da desejada serenidade.
Rotimi e Keita lado a lado se transformam num imbricado jogo de revelar e ocultar.
Enquanto Rotimi utiliza máscaras e cortes que decepam seus modelos, extirpando-lhes a individualidade para assim expressar o genérico da raça, Keita vai no sentido oposto, estudando composições mosaicadas para representar as pessoas como indivíduos íntegros.
Onde Rotimi subtrai, Keita adiciona. A identidade que Rotimi oculta com máscaras, os retratos de Keita revelam com a força da arquitetura desses rostos em sorrisos contidos.
O que em um explode como pulsão de sexualidade, no outro floresce como sensualidade terna.

Exposição: Rotimi Fani-Kayode e Seydou Keita Onde: Pinacoteca do Estado (av. Tiradentes, 141, tel. 011/227-6329) Quando: hoje, às 15h; de 4 de maio a 1º de junho (terça a domingo, das 10h às 18h)
Quanto: R$ 4 (inteira) e R$ 2 (meia)

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