São Paulo, segunda-feira, 03 de junho de 2002

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ARQUITETURA

Um dos principais arquitetos vivos, português vem ao Brasil para lançar o projeto do Museu Iberê Camargo

"Museus estão virando shoppings", diz Siza

Foto divulgação
Maquete do Museu Iberê Camargo, em Porto Alegre, projeto do arquiteto português Álvaro Siza


CASSIANO ELEK MACHADO
DA REPORTAGEM LOCAL

Um dos homens mais disputados do mundo para construir museus não anda muito satisfeito com o formato que essas instituições estão tomando.
O português Álvaro Siza Vieira, 68, dono de todos os prêmios que uma prancheta pode conseguir, incluindo o Pritzker, o "Nobel" arquitetônico, diz que os museus têm ficado "um bocado semelhantes aos shopping centers".
É exatamente contra essa idéia que o autor dos traços de grandes instituições artísticas em diversos países se debruçou para realizar seu primeiro projeto no Brasil.
O arquiteto está no país para dar, na manhã de hoje, o pontapé inicial na construção do Museu Iberê Camargo, em Porto Alegre (leia texto ao lado), dedicado ao artista gaúcho morto em 1994, um dos grandes nomes da história da pintura no Brasil.
Crítico do "agigantamento" dos museus, Siza não chegou a fazer um projeto minimalista. Para receber quase 4.000 obras de Camargo e exposições temporárias nacionais e estrangeiras, ele rabiscou um espaço de cinco andares, em área de 8.000 m2.
Nesta semana, o arquiteto e sua equipe luso-brasileira de técnicos deve definir o calendário da obra, inicialmente prevista para terminar no próximo ano.
Antes de começar o trabalho pesado, o arquiteto deu um pulo em Salvador, que só conhecia por fotos e livros de Jorge Amado. De lá, o arquiteto conversou por telefone com a Folha sobre seu projeto gaúcho, esboçou suas idéias sobre a museologia contemporânea e fez um auto-retrato do seu modo de criar. Leia trechos a seguir.

Folha - O sr. já declarou que só conheceu pessoalmente as obras de Iberê Camargo depois que começou a fazer seu museu. De que forma o projeto vai refletir características do pintor gaúcho?
Álvaro Siza -
O contato que tive com a obra de Iberê Camargo me impressionou muito, com seu misto de momentos de grande densidade e dramatismo com momentos de jovialidade. Isso certamente deixará reflexos no museu. Ainda não sei muito bem quais. Não posso dizer que me inspirei nisso ou naquilo de Iberê.
Muito diretamente o que me influenciou foi o local em que foi construído o museu, que é belíssimo. Um oco, um aberto, um buraco em uma encosta abrupta. É um lugar muito difícil. Mas as dificuldades muitas vezes são apoios para a criação.

Folha - Quais as dificuldades específicas de projetar um espaço voltado para a arte contemporânea, uma das especialidades do sr.? Siza - Um museu relacionado com a arte contemporânea não é fixo. Mesmo quando o museu se dedica apenas a um artista, como no caso de Iberê Camargo, essa obra é mostrada de formas diferentes, muito mais dinâmicas. Os museus hoje são desenhados pensando em exposições temporárias, em flexibilidade.

Folha - Umberto Eco defendeu no ano passado em um seminário no Guggenheim de Bilbao que o museu ideal do futuro deve ter apenas uma obra. Disse que a abundância de trabalhos fazia com que o espectador não visse nenhum deles com atenção. O sr. concorda?
Siza -
Ele expôs uma idéia com a qual estou de acordo, mas de uma forma bastante provocatória. Não há dúvida de que a visita aos museus e o modo como essas instituições se preparam para ela tornou a coisa um bocado semelhante ao shopping center.
Há uma tendência de fazer museus enormes, o que torna a manutenção muito cara. Para financiar isso, começam a surgir lojas cada vez maiores e o museu passa a alugar seu espaço para atividades que dificultam a concentração. Eco, como eu, critica a superficialidade e defende a criação de possibilidades de concentração, de compreensão e de reflexão.

Folha - O desenho de museus espetaculares, como o Guggenheim de Bilbao, também não pode roubar a atenção que seria das obras para a contemplação do prédio?
Siza -
O desenho de um museu deve criar as melhores condições para as obras de arte. A melhor luz, o melhor ambiente, a melhor acústica. O essencial, não se discute, é a exposição das obras, ainda que também possa haver momentos puramente lúdicos ou de festa. A resposta a dar tem de ser a de um certo distanciamento em relação ao que é a essência do museu, para dar abertura e flexibilidade, mas também de uma certa contenção.

Folha - Contenção é uma das palavras que se usa com regularidade para falar do trabalho do sr., assim como elegância, busca pelo simples, minimalismo. Como o sr. definiria seu estilo de criação?
Siza -
Não me atrai nada a avalanche de "ismos". Minimalismo é um deles. Não me reconheço como pessoa encarcerada em um certo tipo de idéias. O que acho é que o trabalho do arquiteto tem de responder a circunstâncias muito diferentes e, portanto, pode ser simples ou mais extrovertido, de acordo com o objetivo que está a responder do ponto de vista do protagonismo na cidade.
A base do que posso racionalizar de minha arquitetura é o desejo de proporção, essa atenção para que um edifício ou uma área urbana possa representar em relação a sua cidade algo de mais íntimo ou mais público. Não estou de acordo que se classifique minha arquitetura como simples ou complicada, minimalista ou extrovertida. Depende das circunstâncias. O arquiteto, como o poeta, tem de ter seus heterônimos.



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