São Paulo, quinta-feira, 03 de junho de 2004

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LITERATURA

Poeta, que participa das Rodas de Leitura, no CCBB do Rio, diz que situação política no país ainda é instável

Pávlovitch retrata melancolia sérvia

DA SUCURSAL DO RIO

Nos 13 anos (1987-2000) em que ficou no poder, Slobodan Milosevic levou a Sérvia a guerras na Croácia, na Bósnia, em Kosovo, ordenando crueldades e genocídios. O poeta sérvio Miodrag Pávlovitch, 76, que está no Rio para lançar o livro "Bosque da Maldição" (Editora da UnB) e participar hoje (às 18h30) das Rodas de Leitura, no Centro Cultural Banco do Brasil, diz que esse passado recente não permite a ninguém ver seu povo como vilão.
"Na época, vários escritores falaram uma série de verdades sobre a situação do país. Mas ninguém, no mundo ocidental, nos deu apoio. Ninguém deu suporte à oposição na Sérvia", conta ele, que, mesmo com o fim da era Milosevic, não chega a transbordar de otimismo.
"A situação política na Sérvia não é clara, transparente. Todos dizem que devemos esperar algo muito melhor, depois de tudo o que se passou. Eu penso que haverá uma nova crise política."
Pávlovitch fala de política em termos genéricos. Lembra que nunca pertenceu a nenhum partido e que é apenas "alguém que está acompanhando os temas". Não fosse a insistência da imprensa, dificilmente falaria alguma coisa sobre o assunto. Ele reconhece que a política interfere na cultura muitas vezes, mas prefere preservar, tanto quanto possível, a arte dessas interferências.
"Eu penso que a poesia é política, mas não deve ser explicitamente política. A linguagem poética é oblíqua. Nunca deve ser direta. Se você quer ser direto, escreva artigos para jornais", diz ele, admitindo, no entanto, que "não podemos evitar a política". "Ela tem se tornado uma forma muito importante de revelação humana, mas nem sempre a melhor."
Foi sob o impacto da ocupação de seu país pela Alemanha nazista durante a Segunda Guerra Mundial (1939-1945) que Pávlovitch começou a escrever. Os primeiros poemas eram majoritariamente sombrios, característica que se manteve nos primeiros anos do regime comunista na então Iugoslávia. Com a relativa abertura do país a partir da década de 1950, sua poesia também mudou.
"Fiquei mais esperançoso. Minha expressão poética se desenvolveu. E se tornou mais otimista em contraste com o início", relembra.
Desenvolveu-se tanto que ele foi logo alçado à condição de um dos maiores poetas sérvios, ao lado de Vasko Popa e Stevan Raítchkovitch. Sua obra tem imagens fortes, com muitas referências à natureza e beirando o surrealismo. Os poemas são carregados de símbolos, parte deles ligada a tradições da Sérvia, eslavas e também ligadas à cultura helênica, uma das paixões do poeta.
"Muitos dos meus personagens têm temperamentos melancólicos, não são bons em felicidade. Eles precisam de símbolos para não cair em desespero", explica ele, cristão que já escreveu vários poemas dedicados a Jesus Cristo.
Médico que se tornou editor (já editou uma antologia de poesia brasileira em sérvio) e escritor, Pávlovitch vive em Belgrado e tem se dedicado, nos últimos anos, a escrever textos autobiográficos. Está voltando ao início e recordando sua vida sob a ocupação nazista, entre outros momentos. "Venho fazendo isso porque não vou viver para sempre e estou buscando um certo final para minha obra", justifica.
(LUIZ FERNANDO VIANNA)

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