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Crítica/Infantil
Ilustração de "Aprendiz de Feiticeiro" rompe estereótipo Disney
MARCELO COELHO
COLUNISTA DA FOLHA
Basta pensar no "Aprendiz de Feiticeiro", que
vêm à mente as imagens de Mickey, com seu chapéu estrelado de bruxo, no clássico "Fantasia" de Walt Disney.
Ilustrar de forma diferente a
velha balada de Goethe (1749-1832) é um desafio que Nelson
Cruz enfrentou com garra, na
edição que a Cosacnaify lançou
agora, com tradução de Mônica
Costa, na coleção infanto-juvenil "Dedinho de Prosa".
"Infanto-juvenil" é um mau
termo, e talvez especialmente
inadequado para esta série de
livros em capa dura, que terá
em seus próximos lançamentos
uma excelente crônica de Mário de Andrade ("Será o Benedito") e um texto de Boccaccio
(1313-1375).
Sem expedientes para facilitar a linguagem do original
-exceto um glossário no fim de
cada volume-, os curtíssimos
textos da coleção "Dedinho de
Prosa" podem perfeitamente
servir para se dar de presente a
uma pessoa adulta. Já foi publicado, também com ilustrações
de Nelson Cruz, o perturbador
"Conto de Escola", de Machado
de Assis, além de "O Homem
que Sabia Javanês", de Lima
Barreto, e "O Presente dos Magos", de O. Henry, com ilustrações de Odilon Moraes.
Meios tons
Para os contos de O. Henry e
Lima Barreto, Odilon Moraes
utiliza uma linda gama de negro, marfim, creme e sépia,
lembrando fotos do século 19 e
as sombras molhadas, chuvosas, de algumas produções do
quadrinista Will Eisner. O realismo irônico, em meios tons,
de O. Henry e Lima Barreto ganha cores mais vibrantes num
detalhe -o vermelho de um nariz, o verde de um veludo-, como a dar conta de que há certo
exagero (sentimental num caso, crítico em outro) no enredo
de cada história.
Já o traço de Nelson Cruz, no
"Conto de Escola" de Machado
de Assis, busca aproximar-se
mais do público infantil, ao
mesmo tempo em que investe
em maiores exageros de expressão e perspectiva.
Feitiço à brasileira
No caso de "O Aprendiz de
Feiticeiro", as ilustrações hesitam entre representar um tanque de água (onde a vassoura
encantada por Mickey ia encher seu balde de madeira) e as
margens de um rio (a que se refere o original de Goethe).
Pode bem ser que essa hesitação de significado funcione
como uma crítica à "tradução"
feita por Disney a partir do poema alemão. Escrito em 1797,
"Der Zauberlehrling" tem atrás
de si a experiência desastrosa
dos franceses com o regime do
Terror, imposto por Robespierre depois de 1793. Os "rios de
sangue" e assassinatos de Estado que resultaram de uma experiência democrática radical
sugerem, sem dúvida, uma espécie de "feitiço contra o feiticeiro", que para o conservador
Goethe só poderia cessar quando a velha ordem pusesse o
aprendiz em seu devido lugar.
A originalidade de Nelson
Cruz está em transpor a história para a periferia de alguma
grande cidade brasileira. O
aprendiz ganha roupas de pivete, o rio é uma espécie de Tietê,
e o laboratório do bruxo se situa numa espécie de favela onde as escadarias e pontes têm o
aspecto sem saída dos labirintos de Escher. Nada de "infanto-juvenil", portanto, nesta
bem cuidada coleção.
O APRENDIZ DE FEITICEIRO
Editora: Cosacnaify
Quanto: R$ 36 (32 págs.)
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