São Paulo, terça-feira, 03 de junho de 2008

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JOÃO PEREIRA COUTINHO

Mãos ao alto, isso é um casamento!

Casamento é despesa. Pior ainda: despesa inútil. E sem qualquer retorno.

O INVERNO aproxima-se do Brasil e o verão emigra para a Europa. E, com o verão, chega o dilúvio: casamentos atrás de casamentos aos quais compareço com ânimo de cachorro. Entendam: nada tinha contra o casamento, partindo do pressuposto de que não era o meu. Mas, ultimamente, tenho alimentado uma certa hostilidade ao casamento dos outros.
Junho começou uns dias atrás e já se acumularam cinco convites até setembro. Suspeito que mais três irão engrossar a agenda até outubro. Não pretendo comparecer a todos. A minha fama de hipocondríaco é para ser usada e abusada nesses momentos; mas se não vai a minha pessoa, vai a minha carteira em representação da pessoa. Casamento é despesa. Pior ainda: despesa inútil. E sem qualquer retorno, ao contrário do que acontecia na Idade Média, em que o direito de "prima nocte" era exercido pelos senhores feudais.
Basta pensar nos últimos sete anos, ou seja, nos últimos 11 casamentos onde estive. Só seis sobreviveram para contar. Em cinco, o investimento foi desastroso: eu recebi a honra do convite; eu paguei a honra de ser convidado nas listas de presentes; e, dois ou três anos depois, quando a chama da paixão emigrou para outras bandas, eu senti-me como um investidor americano em 1929, ao saber que Wall Street mergulhara no "crash". Pensei várias vezes em ato tresloucado. Não contra mim. Contra o casal.
Foram milhares e milhares de euros apostados no cavalo errado, sob a forma de geladeiras, sofás ou faqueiros de prata, que provavelmente os esposos usaram no corpo um do outro. E para quê? Ainda telefonei algumas vezes para tentar salvar a situação.
Os esposos desavindos ficavam comovidos com meus cuidados. E elogiavam meu romantismo. Romantismo? Nada disso. Eu procurava simplesmente inquirir se, desfeito o enlace, não seria possível devolver o investimento.
Procurava e procuro ainda. O verão aproxima-se por estas bandas; cinco casamentos (mínimo) desenham-se no horizonte; e eu já mandei imprimir cartões pessoais para enfrentar o assalto. Nos ditos cujos, começo por citar um belíssimo verso de "Romeu e Julieta" alusivo ao amor eterno. E, depois, adivinhando um desenlace igual ao da peça, solicito que o casal forneça o seu número bancário para o inevitável presente. E acrescento, em letras de apólice de seguro, que o presente de casamento será transferido no espaço de sete anos.
A idéia, lógica, é encarar os primeiros sete anos como fase experimental: se os consortes sobreviverem um ao outro, terão novidades do meu gerente bancário, que irá liberar a importância devida.
Se, pelo contrário, o casamento seguir o destino habitual no mundo moderno, o depósito será imediatamente cancelado.
Vantagens? Não são apenas pessoais, embora não seja de desprezar a poupança que o gesto representa. No meu caso, dezenas de milhares de euros que eu poderia ter utilizado em viagens, livros ou farras privadas.
As vantagens serão também culturais: se as pessoas seguirem as minhas preocupações e exemplos, esse tipo de prudência financeira acabará por criar doutrina. E se hoje começamos com sete anos experimentais, talvez amanhã o legislador possa elaborar uma lei do divórcio verdadeiramente justa para todas as partes: para os esposos; para os filhos dos esposos; e, claro, para os convidados dos esposos, que também investiram naquele projeto a dois.
A lei será justa para os convidados ao garantir que, em caso de dissolução matrimonial, eles receberão o investimento feito: quem ofereceu a geladeira, recebe a geladeira de volta; quem apostou no faqueiro, terá o faqueiro à porta.
E a lei será sobretudo útil para os esposos ao criar uma cultura de responsabilidade e pressão financeira: antes do casamento, os apaixonados pensarão duas vezes sobre o compromisso conjugal; e, depois do casamento, pensarão ainda mais se valerá a pena desfazê-lo.
Nenhuma decisão será tomada de ânimo leve quando repousa sobre o casal a exigência da indenização imediata dos convidados. Os filhos, tantas vezes expostos a sofrimentos desnecessários, ficarão acautelados também.
Casamento? Nada contra. Mas a única forma de o salvar da crise atual não passa pela retórica dos reacionários; passa pelo bolso dos esponsais. Quem casa, recebe. Quem descasa, devolve.


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