São Paulo, quarta-feira, 03 de junho de 2009

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MÚSICA

Crítica/ "Préliminaires"

Iggy Pop volta melancólico no seu melhor disco em anos

Cantor faz jazz, "chanson" francesa e bossa nova, sem largar o espírito punk

BRUNO YUTAKA SAITO
DA REPORTAGEM LOCAL

Iggy Pop, 62, já foi um dos maiores idiotas do rock. À frente do Stooges, no final dos anos 60, deu as coordenadas para o surgimento do punk, sem ter lucrado com isso. Desacreditado e atolado em drogas, foi ressuscitado artisticamente por David Bowie, que produziu o disco "The Idiot" (1977).
Com um histórico desses, bem antes de se estabelecer como instituição pop nos anos 1990 e 2000 e ver uma série de clones seus agitando a cabeleira no palco, fica mais fácil compreender a aparente guinada que é seu novo disco, "Préliminaires".
Em depoimento no site www.iggypop.com, o americano diz que se cansou de "brutamontes idiotas com guitarras fazendo música lixo". Ao mesmo tempo, começou a se interessar pelo jazz de New Orleans. Também caiu de amores pelo livro "A Possibilidade de uma Ilha" (2005), do francês Michel Houellebecq. Inicialmente, Iggy foi convidado a fazer músicas para um documentário sobre as gravações da versão cinematográfica do livro, dirigida pelo próprio escritor.
Mas eis que o americano se empolgou. Viu que dessas faixas poderia surgir um álbum próprio seu. E, após "Skull Ring" (2003), álbum que marcou a volta dos Stooges, mas que pode ser enquadrado na categoria "idiotas com guitarras", Iggy fez seu melhor disco em anos. O cantor, vale lembrar, tem várias músicas excelentes, mas poucos álbuns realmente bons.
No livro, Houellebecq visualiza um futuro pós-apocalíptico em que vivem seres humanos clonados. Esses "neo-humanos" não sentem dor nem têm medo da morte. Mas, ao mesmo tempo, vivem num vazio existencial profundo.
Em "Préliminaires" surge um Iggy melancólico, grave tanto no espírito quanto na voz. "I Want to Go to the Beach" remete a Leonard Cohen; levada ao piano, Iggy nos remete a um fim de tarde de praia, um lugar decadente, para idosos que relembram o passado com amargor no coração.
Causam mais estranhamento "How Insensitive", respeitosa versão de Iggy para a versão em inglês de "Insensatez", de Tom Jobim e Vinicius de Moraes, feita por Norman Gimbel, e a versão para "Les Feuilles Mortes" (Joseph Kosma e Jacques Prévert), em que Iggy canta em francês, seguindo o ar decadente de Serge Gainsbourg.
Iggy, no entanto, não se esqueceu de suas obsessões. O sexo, que já lhe inspirou clássicos como "I Wanna Be Your Dog", vem agora misturado à ideia de morte. "Préliminaires" não se refere apenas ao ato pré-sexo.
"Em minha idade, cada ato é preliminar da morte", disse recentemente. Uma audição atenta deixa claro que passa longe a sensação de que Iggy "encaretou" e agora só gosta de jazz e bossa nova. Há rock, como em "Nice to Be Dead", e blues ("He's Dead/ She's Alive" e "She's a Business").
Ao contrário, "Préliminaires" mostra que o cantor segue seu personagem de anos, o cachorro vira-latas, o outsider que adora uma bagunça e faz o que a intuição lhe manda. "King of the Dogs", em que soa como Tom Waits, faz referência a esse imaginário, assim como "A Machine for Loving", em que lê trecho do livro de Houellebecq em que o cão Fox morre -a mais triste do livro, segundo Iggy. No caso do cantor, não está errada a crença popular de que o vira-latas é o mais esperto dos cães.


PRÉLIMINAIRES

Artista: Iggy Pop
Lançamento: EMI
Quanto: R$ 30, em média
Avaliação: ótimo




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