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MÚSICA
Crítica/ "Préliminaires"
Iggy Pop volta melancólico no seu melhor disco em anos
Cantor faz jazz, "chanson" francesa e bossa nova, sem largar o espírito punk
BRUNO YUTAKA SAITO
DA REPORTAGEM LOCAL
Iggy Pop, 62, já foi um dos
maiores idiotas do rock. À
frente do Stooges, no final
dos anos 60, deu as coordenadas para o surgimento do punk,
sem ter lucrado com isso. Desacreditado e atolado em drogas,
foi ressuscitado artisticamente
por David Bowie, que produziu
o disco "The Idiot" (1977).
Com um histórico desses,
bem antes de se estabelecer como instituição
pop nos anos 1990 e
2000 e ver uma série de clones seus
agitando a cabeleira no palco, fica
mais fácil compreender a aparente guinada que é
seu novo disco,
"Préliminaires".
Em depoimento
no site www.iggypop.com, o americano diz que se
cansou de "brutamontes idiotas
com guitarras fazendo música lixo".
Ao mesmo tempo,
começou a se interessar pelo jazz de
New Orleans. Também caiu de amores
pelo livro "A Possibilidade de uma Ilha"
(2005), do francês Michel Houellebecq. Inicialmente, Iggy foi convidado a fazer músicas para
um documentário sobre as
gravações da versão cinematográfica do livro, dirigida pelo
próprio escritor.
Mas eis que o
americano se empolgou. Viu
que dessas faixas poderia surgir
um álbum próprio seu.
E, após "Skull Ring" (2003),
álbum que marcou a volta dos
Stooges, mas que pode ser enquadrado na categoria "idiotas
com guitarras", Iggy fez seu
melhor disco em anos. O cantor, vale lembrar, tem várias
músicas excelentes, mas poucos álbuns realmente bons.
No livro, Houellebecq visualiza um futuro pós-apocalíptico
em que vivem seres humanos
clonados. Esses "neo-humanos" não sentem dor nem têm
medo da morte. Mas, ao mesmo
tempo, vivem num vazio existencial profundo.
Em "Préliminaires" surge
um Iggy melancólico, grave
tanto no espírito quanto na voz.
"I Want to Go to the Beach" remete a Leonard Cohen; levada
ao piano, Iggy nos remete a um
fim de tarde de praia, um lugar
decadente, para idosos que relembram o passado com amargor no coração.
Causam mais estranhamento "How Insensitive", respeitosa versão de Iggy para a versão
em inglês de "Insensatez", de
Tom Jobim e Vinicius de Moraes, feita por Norman Gimbel,
e a versão para "Les Feuilles
Mortes" (Joseph Kosma e Jacques Prévert), em que Iggy canta em francês, seguindo o ar decadente de Serge Gainsbourg.
Iggy, no entanto, não se esqueceu de suas obsessões. O sexo, que já lhe inspirou clássicos
como "I Wanna Be Your Dog",
vem agora misturado à ideia de
morte. "Préliminaires" não se
refere apenas ao ato pré-sexo.
"Em minha idade, cada ato é
preliminar da morte", disse recentemente. Uma audição
atenta deixa claro que passa
longe a sensação de que Iggy
"encaretou" e agora só
gosta de jazz e bossa
nova. Há rock, como
em "Nice to Be Dead",
e blues ("He's Dead/ She's Alive" e "She's a Business").
Ao contrário, "Préliminaires" mostra que o cantor segue seu personagem de anos, o
cachorro vira-latas, o outsider
que adora uma bagunça e faz o
que a intuição lhe manda.
"King of the Dogs", em que soa
como Tom Waits, faz referência a esse imaginário, assim como "A Machine for Loving", em
que lê trecho do livro de Houellebecq em que o cão Fox morre
-a mais triste do livro, segundo
Iggy. No caso do cantor, não está errada a crença popular de
que o vira-latas é o mais esperto
dos cães.
PRÉLIMINAIRES
Artista: Iggy Pop
Lançamento: EMI
Quanto: R$ 30, em média
Avaliação: ótimo
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