São Paulo, quarta, 3 de junho de 1998

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TEATRO
"A Musa Carrancuda" aborda as relações do dramaturgo com a intelectualidade e com o Estado Novo
Livro analisa Nelson Rodrigues dos 40

CRISTINA GRILLO
da Sucursal do Rio


Nos anos 40, após sua estréia como dramaturgo com a peça "Vestido de Noiva", Nelson Rodrigues tornou-se um "vanguardista maldito", visto como responsável pela modernização do teatro brasileiro e por isso admirado pela intelectualidade.
A imagem do Nelson dos anos 40 era bastante diferente da que o autor tinha no final dos 60, quando era considerado reacionário por seu apoio ao regime militar.
As relações do autor com a intelectualidade dos anos 40 e com o Estado Novo são o tema do livro "A Musa Carrancuda", de Victor Hugo Adler Pereira, que será lançado na próxima semana pela editora Fundação Getúlio Vargas.
"Quando "Vestido de Noiva' estreou (em dezembro de 1943), Nelson ainda não tinha noção do papel que poderia ocupar. Depois, percebeu que, para estar entre os intelectuais, teria que desprezar o público, como qualquer artista de vanguarda faria", diz o autor.
Daí, explica Adler Pereira, surgem declarações de Nelson referindo-se a seu pouco interesse pela platéia, como a frase "público é com o bilheteiro".
Na análise feita em seu livro, ele afirma que a dramaturgia de Nelson Rodrigues representava, para os intelectuais, uma espécie de versão teatral para o que havia acontecido com outras manifestações culturais a partir da Semana de Arte Moderna de 1922.
"Nelson se transformou em uma espécie de musa do modernismo teatral e, por sua imagem de maldito, virou uma musa carrancuda", afirma Adler Pereira.
Até a montagem de "Vestido de Noiva" (dirigida por Ziembinsky e encenada pelo grupo Os Comediantes), o teatro brasileiro seguia a linha das comédias de costume, desprezadas pela intelectualidade.
Em seu livro, Adler Pereira avalia que, se por um lado o surgimento da dramaturgia de Nelson Rodrigues renovou o teatro brasileiro, por outro pode ter sido prejudicial, por ter levado a uma negação de toda a história anterior.
"A partir de Nelson e do apoio que teve da intelectualidade, todo o teatro feito anteriormente passou a ser visto com desprezo profundo. O teatro se transformou em uma arte das elites", afirma.
A partir desse ponto, surge outro paradoxo da obra de Nelson. "Musa" do "teatro sério" proposto pelos modernistas, o autor que tinha problemas com a censura era também incentivado pelo governo a produzir suas peças.
"Ele era considerado uma referência para todos os "modernistas' que haviam sido cooptados pela política cultural do Estado Novo, na época gerida pelo então ministro Gustavo Capanema (Educação e Saúde)", diz.
Assim, a polêmica montagem de "Vestido de Noiva" em 1943 só foi possível graças à subvenção do Estado.



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