São Paulo, quarta-feira, 03 de julho de 2002

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PATRIMÔNIO

Expressões da liberdade



Antiga sede do Dops em SP é reinaugurad a como centro cultural com "Intolerânci a", instalação do artista plástico Siron Franco



FABIO CYPRIANO
DA REPORTAGEM LOCAL

Oitocentos corpos, bonecos recheados de espuma (é bom que se diga), vão compor, a partir de amanhã, a instalação "Intolerância", do artista plástico Siron Franco. A obra reinaugura o belo edifício da antiga sede do Dops (Departamento Estadual de Ordem Política e Social), transformado agora no mais novo centro cultural de São Paulo. A principal função do local será receber o Museu do Imaginário do Povo Brasileiro, que abre em setembro.
Os bonecos são uma referência explícita às violências ocorridas nos 48 anos que o prédio serviu ao Dops (1935 a 1983). "Fui visitar o ateliê de Siron, no ano passado, e, ao ver aquela montanha de corpos, percebi que era o melhor tributo àquelas pessoas que sofreram nos anos rígidos da ditadura", diz Emanoel Araújo, curador da mostra e idealizador do novo museu.
"Foi uma feliz coincidência. A instalação não foi criada para o local. Ela é uma sequência de outras obras que realizei com roupas nos anos 80. Como ela trata dessa barbárie sistemática que vivemos no início deste novo milênio, creio que se adapta muito ao novo espaço", afirma Franco. No início do próximo ano, a instalação será exposta em Porto Alegre, por ocasião do Fórum Social Mundial.
Além de "Intolerância", outras dez esculturas em menor porte serão expostas no espaço. "Elas são uma homenagem a Farnese de Andrade [1926-1996". Construí essas esculturas com materiais que pertenciam a ele, pensando em como ele os utilizaria", diz ainda o artista.

Porões
Com a inauguração do espaço, uma das expressões mais famosas da resistência ao regime militar irá perder significado. Os "porões da ditadura" nunca foram de fato porões. As quatro celas do Dops, que agora se tornam o Memorial da Liberdade, estão localizadas no andar térreo do edifício. "Como a triagem dos presos era realizada no primeiro andar e havia uma grande escada que levava às celas, a impressão era que o local ficava num porão", diz Edson Caran, engenheiro da Secretaria de Estado da Cultura.
Nas celas, serão escritos os nomes de todos os presos que lá ficaram encarcerados.
Outra referência aos períodos de exceção, programada para a reinauguração do prédio, é a mostra "Cotidiano Vigiado". Mais de 150 mil pastas com prontuários policiais chegaram a ocupar o edifício, durante o período de utilização do Dops. Atualmente, elas pertencem ao Arquivo do Estado. Sob a orientação da professora da Universidade de São Paulo Maria Luiza Tucci Carneiro, trechos desses prontuários serão expostos no quarto andar do prédio. Entre eles, documentos que tratam de artistas, como Caetano Veloso, Chico Buarque e Gilberto Gil, além de políticos como Fernando Henrique Cardoso e Lula.

Imaginário
Essas mostras são uma forma de ocupar o novo espaço, enquanto uma equipe coordenada por Araújo define as linhas do Museu do Imaginário do Povo Brasileiro. Entre eles, estão os professores Ivan Teixeira, Nicolau Sevcenko e Oswaldo Camargo.
"Não será um museu folclórico nem de arte popular. Ele irá mesclar várias linguagens e técnicas museológicas em torno da questão da identidade do povo brasileiro", afirma Araújo.
Para setembro, três mostras já estão programadas: "Para Nunca Esquecer, Negras Memórias e Memórias de Negros", exposição já vista no ano passado no Museu Histórico Nacional do Rio de Janeiro, "África, África", organizada especialmente para o local pelo curador norte-americano George Nelson Preston, e "Salve, Lindo Pendão da Esperança", a partir das estrofes de Olavo Bilac, que iniciam o Hino à Bandeira.
"Organizar uma mostra a partir de versos de Bilac é uma provocação. Quero homenagear a bandeira, símbolo maior da brasilidade, a partir de um poeta questionado pelos modernistas. A intenção é investigar de forma ampla e sem preconceitos o que faz o brasileiro ser brasileiro", afirma Araújo.
Essas três exposições serão um teste para o novo local. O grupo que trabalha com Araújo está definindo o que deverá compor a mostra permanente do espaço. "Será um museu interativo e principalmente voltado aos jovens; por isso seu departamento educativo terá especial atenção. Mas o museu irá se armar de fato a partir do próximo ano e isso depende da nova gestão estadual. Espero que haja sensibilidade", diz o ex-diretor da Pinacoteca.


INTOLERÂNCIA, MEMORIAL DA LIBERDADE, COTIDIANO VIGIADO -
mostra tríplice que inaugura a sede do Museu do Imaginário do Povo Brasileiro, entre elas, uma instalação de Siron Franco. Curadoria: Emanoel Araújo. Quando: abertura amanhã, às 20h (para convidados); horários de visitação ainda indeterminados; até agosto. Onde: Memorial do Imaginário do Povo Brasileiro (lgo. General Osório, 66, São Paulo, tel. 0/xx/ 11/ 223-5217). Quanto: entrada franca.




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