São Paulo, quinta-feira, 03 de julho de 2008

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"Desafio de teatro é ir além da facilidade do sórdido"

Diretor de "Fragment s", que chega hoje a SP, Peter Brook comenta influências e diz que não há liberdade de criação para os novos diretores

Chester Higgins Jr. -7.abr.2005/"New York Times"
Peter Brook, que exibe em SP peças curtas de Beckett

LUCAS NEVES
DA REPORTAGEM LOCAL

Montagens inovadoras e de grande plasticidade de textos de William Shakespeare (1564-1616), Peter Weiss (1916-1982) e Ted Hughes (1930-1998), aliadas a parcerias com Laurence Olivier, Orson Welles e Jeanne Moreau, inscreveram o nome do inglês Peter Brook, 83, na galeria dos grandes encenadores do século 20.
No início dos anos 70, despiu-se da pompa, fez as malas e partiu para a França, onde estabeleceu seu Centro Internacional de Criação Teatral, centrado na busca de uma dramaturgia econômica, direta e universal. Do novo QG, saíram "Orghast" (prenúncio da veia multiculturalista que a companhia desenvolveria) e "Mahabharata", maratona de nove horas sobre a criação do mundo segundo a tradição hindu.
Síntese do "palco nu" a que o encenador aspira, a mais recente peça de Brook, "Fragments", chega hoje a São Paulo com ingressos esgotados. Por um cenário minimalista desfilam quatro peças curtas e um poema do irlandês Samuel Beckett (1906-1989). Na entrevista a seguir, ele lembra como descobriu uma face "luminosa" deste e tece considerações sobre o teatro contemporâneo.

 

MISSÃO DO TEATRO
O desafio do teatro é ser vivo, interessante e tocar as pessoas; ultrapassar o nível banal que assola o mundo inteiro, ir além da facilidade do sórdido.

"FRAGMENTS"
"Fragments" é uma unidade, não fragmentos; é um conjunto em que há tanto alegria e afirmação do lado luminoso da existência quanto verdade trágica sobre a inevitável morte. O que fiz, com a anuência da mulher de Beckett, foi simplificar: com isso, pudemos ir ainda mais longe na pureza, para trazer à tona o verdadeiro Beckett. Há sempre que reatualizar as coisas, trazê-las para o presente, mas não pelo exterior -inserindo celulares ou ambientando a história em Bagdá para sublinhar o lado moderno. É preciso tirar o que nos impede de mergulhar a fundo.

BECKETT LUMINOSO
Tenho uma imensa afeição por Beckett desde os anos 60. Não me interessava em montar estas peças curtas porque buscava outras coisas na direção teatral e não via interesse em me submeter à disciplina aterradora de um Beckett. Tudo mudou quando vi a peça "Dias Felizes" nos EUA e na França. Senti que ele saía da prisão do pessimismo, de autor sombrio. Trabalhando na minha montagem de "Dias", percebi que Beckett via com lucidez a que ponto as pessoas são infelizes e como boa parte da humanidade vive numa prisão psicológica exterior ou interior. E senti a presença de um Beckett luminoso.

SIMPLES PARA NÃO CORRER RISCOS?
Se você for olhar todos os riscos que já corri... se hoje sinto que é mais correto fazer isso [buscar a simplicidade], não posso me importar com esses comentários. Gosto de falar antes de estrear as peças, apenas para não decepcionar as pessoas: quando usam o meu nome, algumas pessoas podem ter a impressão de que vamos em direção a algo espetacular. Digo que isso hoje não me interessa.

INFLUÊNCIAS
Aquele que não aceita influências é burro e pretensioso. Estamos envoltos em influências e criamos algumas. Dizer que isto é minha idéia, esta é a minha assinatura é nojento. Por outro lado, acho que tudo o que dizemos na teoria sobre o teatro não tem valor algum se não é [dito] após um longo período de descoberta pessoal por meio de experiências. Sou contra os professores que ensinam o teatro por diagramas, flechas e teorias sociológicas. Os pobres estudantes começam a estudar o teatro pelas idéias; só depois colocam-nas em prática.

CENA CONTEMPORÂNEA
Por ter seguido um determinado caminho há 30, 40 anos, vejo que hoje tenho uma liberdade que, infelizmente, não existe para a grande maioria dos encenadores, pois a pressão econômica é tamanha que o diretor deve buscar fazer sucessos, coisas extraordinárias. Não há mais espaço para esforços que sejam parcialmente bem-sucedidos. É preciso emplacar 100%. Isso cria gente muito brilhante, mas que sofre a cada vez a pressão de estourar. Nunca aceitei essa pressão.

MULTICULTURALISMO E CRÍTICAS
Hoje, na Inglaterra e na França, há muitos grupos com atores de raças diferentes, totalmente integrados às trupes. Acho que o Centro Internacional de Criação Teatral influenciou de certa maneira nisso. O teatro é um lugar onde, apesar de todas as divisões, discussões e ódios, as pessoas de raças, culturas e religiões diferentes podem trabalhar tranqüilamente juntas para um projeto específico. Tudo o que se diz [a respeito de um suposto viés perverso do multiculturalismo, que banalizaria costumes de países subdesenvolvidos ao se apropriar deles] é um sentimento de intelectuais se masturbando por nada.

REGRESSO AO ARTESANAL
Nos anos 60, havia um movimento de esquerda que dizia que o teatro era elitista. Começaram então a surgir espetáculos encenados para 2.000, 3.000 pessoas. Hoje, é preciso reconhecer: por causa do cinema, da televisão e da internet, o elitismo cultural não mais existe. Tudo é acessível via iPod, internet. Isso permite ao teatro reencontrar sua verdadeira natureza, que não é elitista, mas é pequena, circunscrita. Podemos reencontrar o artesanato.


FRAGMENTS
Quando:
estréia hoje; qui., sex. e sáb., às 21h; dom., às 19h30
Onde: teatro do Sesc Santana (av. Luiz Dumont Vilares, 579, São Paulo, tel. 0/xx/11/2971-8700); 14 anos
Quanto: de R$ 7,50 a R$ 30 (esgotado)


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