São Paulo, quinta-feira, 03 de julho de 2008

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6ª Flip

Schwarz explica a redenção de Capitu

Crítico abre evento contando como Bentinho passou de herói traído a símbolo do atraso nas análises de "Dom Casmurro"

Para especialista na obra de Machado de Assis, romance sofreu com interpretações incorretas e foi recuperado apenas a partir dos anos 60

EDUARDO SIMÕES
MARCOS STRECKER
ENVIADOS ESPECIAIS A PARATY

O crítico literário Roberto Schwarz começou sua conferência em homenagem a Machado de Assis (1839-1908), ontem à noite, na abertura da sexta edição da Flip (Festa Literária Internacional de Paraty), lendo o primeiro capítulo do romance "Dom Casmurro", uma das principais obras do escritor.
Em uma exposição clara e didática, Schwarz traçou a evolução cronológica da crítica à obra de Machado. Esta teria começado com uma visão de Bentinho como símbolo do ideal conciliador da sociedade brasileira, até se transformar, atualmente, em representante do patriarcalismo impregnado pela escravidão, aquele que "não tolera o pobre [Capitu] de cabeça erguida".
Participaram da abertura do evento -que prossegue até domingo- o arquiteto Mauro Munhoz, diretor da associação Casa Azul, que apresentou o novo diretor de programação, Flávio Moura. A editora britânica Liz Calder, uma das idealizadoras da Flip, apareceu antes do show de Luiz Melodia, que fechou a noite.
O mediador Hélio de Seixas Guimarães disse que havia uma crítica machadiana antes de Schwarz e outra depois. E citou estudos clássicos do crítico, como "Ao Vencedor, as Batatas", "Um Mestre na Periferia do Capitalismo" e "Duas Meninas".

"Cegueira histórica"
Schwarz seguiu sua explanação partindo da crítica de Alfredo Pujol (1865-1930), em 1917, que ele reputou como representante de uma "cegueira histórica" que perdurou por 50 anos e que hoje parece uma "leitura ingênua".
Para Schwarz, a virada começou nos anos 60 com a americana Helen Caldwell, que, influenciada pelo "new criticism", inverteu a interpretação de "Dom Casmurro" em seu livro "The Brazilian Othello of Machado de Assis" (o Otelo brasileiro de Machado de Assis), no qual ela analisou a obra do ponto de vista de um narrador não confiável, numa comparação com a peça clássica de Shakespeare.
O crítico fez ainda um paralelo entre Machado e Henry James (1843-1916), cuja obra provocou uma mudança de paradigmas da crítica literária, diferentemente do que aconteceu no Brasil.
Depois de Caldwell, Schwarz destacou, nos anos 70, o livro "A Retórica da Verossimilhança", do crítico Silviano Santiago, que apontou o personagem Bentinho como representante de "uma elite de padres e bacharéis que sufoca o Brasil". A partir daí, a obra de Machado passou a ser compreendida como crítica social.
Uma década depois, segundo Schwarz, John Gledson teria completado o percurso de uma perspectiva realista, em que Bentinho é visto como uma figura do patriarcalismo. Capitu passa a ser entendida como quem sabe usar a razão, substituindo a visão de que era ingrata e dissimulada.
"A contribuição de Gledson é considerável", exaltou Schwarz.
Desde então, trata-se, nas análises do romance, do problema do paternalismo no mundo moderno, das elites marcadas pela escravidão. "Dom Casmurro" passou, por fim, a ser interpretado como uma "extraordinária metáfora histórica".

José de Alencar
Terminada a exposição, o mediador e a platéia fizeram perguntas sobre diferentes aspectos da obra de Machado, e Schwarz foi instigado a avaliar a importância de José Alencar (1829-1877) para Machado.
O autor de "Dom Casmurro" teria reconhecido a importância de Alencar na formação da literatura brasileira.
"Mas Machado passa a limpo Alencar, mostra que ele é um bocó e prova que pode expor a realidade de maneira mais clara", disse Schwarz, fazendo comparações entre "Lucíola" e "A Pata da Gazela", de Alencar, com "Memórias Póstumas de Brás Cubas", de Machado.


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