São Paulo, quinta-feira, 03 de julho de 2008

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"O escritor tem a obrigação de ser hermafrodita", diz Inês Pedrosa

Portuguesa condena "literatura feminina" e lança livro ambientado no Brasil

EDUARDO SIMÕES
ENVIADO ESPECIAL A PARATY

A escritora portuguesa Inês Pedrosa, que participa hoje, às 19h, da mesa "Sexo, Mentiras e Videotape", já tem na ponta da língua sua crítica ao conceito de literatura feminina, tema que debaterá com a brasileira Cíntia Moscovich e a inglesa Zoë Heller. Pedrosa ressalta que, embora seja feminista, ela não escreve apenas para mulheres.
"Não ouço falar na literatura masculina. Não acredito nessa coisa da literatura das mulheres, dos negros, dos judeus, das pessoas com deficiência etc. A literatura se divide entre boa e má. O escritor tem a obrigação de ser hermafrodita", diz ela.
Para Pedrosa, a divisão cria guetos.
"Em congressos internacionais, há uma sala maior onde estão os homens a discutir o estudo e as grandes questões da literatura contemporânea. E as mulheres a discutir se são femininas ou não. Acho uma discussão meio ridícula", diz Pedrosa.

Antônio Vieira
A escritora lança na Flip o romance "A Eternidade e o Desejo" (Alfaguara/Objetiva), produto de uma viagem de apenas 15 dias ao Brasil, em 2005, por Salvador, Recife, Olinda, Belém, São Luís e outros lugares por onde o padre Antônio Vieira havia passado no país.
"Era uma profusão de informações, de museus e cidades diferentes, tanta coisa ao mesmo tempo, que eu pensei "o que me restaria disso se eu fosse cega?". De repente surgiu a idéia dessa mulher portuguesa, cega, que vem ao Brasil da cor e do barroco, e o apreende de uma outra forma", diz Pedrosa, cuja personagem Clara volta a Salvador anos após ter perdido a visão em um tiroteio durante um encontro com o amante.
O livro alterna ficção com trechos dos sermões de Vieira. Ela se diz surpresa de ter encontrado um texto sobre o desejo entre os sermões de um padre, até onde ela sabe, sem vida erótica ou amorosa.
"É um sermão sobre os desejos da Virgem Maria quando ela está grávida. Mas que extravasa essa dimensão, porque tudo que ele diz se aplica a todas as espécies de desejo", afirma.
A escritora sugere que buscar uma forma de tratar o sexo nas letras é algo mais interessante e contemporâneo do que a idéia de uma literatura feminina, pois há uma nova vivência do sexo e cabe aos escritores inovarem sua representação. "E aí é a única área onde se pode falar de gênero na literatura, pois as mulheres ainda são censuradas quando escrevem sobre sexo com ousadia."
Pedrosa é contrária ao acordo ortográfico recém-aprovado por Portugal e outros países de língua portuguesa. "É um falso acordo. Não é por causa da grafia que deixamos de nos entender", avalia ela.


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