São Paulo, sábado, 03 de julho de 2010

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livros

Vanguardismo moldou talento precoce

Inspirado pelo movimento modernista de 1922 e pelo surrealismo, Rosário Fusco escreveu obra inovadora

Escritor fez parte de célebre revista literária e publicou romance comparado ao estilo de Kafka e Dostoiévski

Fotos Letícia Moreira/Folhapress
O fotógrafo Juca Fusco, que teve "péssima relação" com o pai na infância, em Cataguases

MARCO RODRIGO ALMEIDA
ENVIADO ESPECIAL A CATAGUASES (MG)

"Quando tiver idade para ler este livro, eu já morri. Quando tiver experiência para entendê-lo, já estará na fila para morrer."
Assim escreveu o autor mineiro Rosário Fusco (1910-1977) ao filho François ao presenteá-lo com um exemplar de "O Dia do Juízo" (1961), último romance que publicou em vida.
Às vésperas de completar cem anos de nascimento (em 19 de julho), Fusco, se fosse vivo, teria ainda poucos motivos para se sentir mais compreendido.
Revelação precoce, o autor do surrealista "O Agressor" amargou no fim da vida um limbo literário do qual nem a morte ainda o libertou.
François ainda guarda um romance ("VACACHUVAAMOR") e dezenas de poemas, cartas e diários inéditos de Fusco à espera de editoras.
Em 2003, ele conseguiu lançar "A.S.A", outro dos livros póstumos, mas não ficou satisfeito com a edição. Segundo ele, o livro foi um fracasso de vendas.
"Ninguém quer saber de Rosário Fusco", lamenta.
François vive em Cataguases, cidade onde o pai despontou na literatura no final dos anos 20 e onde viveria os últimos anos de vida.
Rosário Fusco nasceu em São Geraldo, mas sua família se mudou para Cataguases quando ainda era bebê.
Garoto prodígio, aos 17 anos foi o mais ativo participante da revista literária "Verde", publicação de vanguarda editada em Cataguases entre 1927 e 1929.
Influenciada pela movimento modernista de 22, a "Verde" rompeu fronteiras e teve colaboradores de renome como Mário de Andrade, Murilo Mendes e Carlos Drummond de Andrade.
Em 1932, Fusco mudou-se para o Rio de Janeiro, onde atuou como jornalista.
O ponto alto de sua carreira, no entanto, foi também o início da discórdia que o acompanharia até o fim.
Em 1943, Rosário publicou o romance "O Agressor". A história do contador David, personagem paranoico com mania de perseguição, trazia clara influência surrealista e foi comparada ao universo de Kafka e Dostoiévski.
Em um ensaio sobre o livro, o poeta e crítico Lêdo Ivo escreveu que o romance foi o primeiro, em língua portuguesa, a tratar do "absurdo do mundo e da vida".
Mas pagou um preço por não se enquadrar nas correntes estéticas da época.
"O livro surge quando predominava o romance social nordestino, onde o homem é vítima da estrutura social. Já o Fusco fez um livro psicológico, marcado por forças do acaso. Não teve uma boa acolhida na época", afirma Ivo.
Os livros posteriores de Fusco, todos de temática não realista, apenas reforçaram a marca de autor inclassificável. Apenas "O Agressor" teve mais de uma edição.

ESTADO NOVO
A política foi outra pedra no caminho do reconhecimento literário de Fusco.
Procurador do antigo Estado da Guanabara, ele colaborou com o Departamento de Imprensa e Propaganda (DIP), órgão oficial de propaganda do governo Getúlio Vargas durante a ditadura do Estado Novo (1937-1945).
No livro de ensaios "Política e Letras" (1940), ele escreveu que Getúlio "Vargas participará como o mais sereno e tolerante dos homens públicos do Brasil".
O estigma de "getulista", a partir daí, ficou colado a ele.
Para o ensaísta Aricy Curvello, de forma injusta.
"Muitos colaboraram com o Estado Novo. Acredito que Fusco sofreu mais preconceito por uma questão de inveja. Era muito charmoso e tinha grande apetite sexual."
François acredita que tais críticas fecharam ainda mais as portas do mercado editorial para seu pai.
"Ele dizia que só seria entendido 50 anos depois de morrer. Já passaram 33 e ainda nada."


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