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Pina Bausch equilibra a tristeza do mundo
Coreógrafa alemã apresenta em São Paulo e Porto Alegre peça sobre o "tempo de desemparo" em que vivemos
FABIO CYPRIANO
DA REPORTAGEM LOCAL
Há já pelo menos uma década a coreógrafa alemã Pina
Bausch tem dado aos seus espetáculos um tom mais feliz, numa estratégia que busca fazer
sua arte "contrabalançar a tristeza do mundo", como por diversas vezes afirmou.
Tal estratégia ganhou ares de
manifesto com "Para as Crianças de Ontem, Hoje e Amanhã",
peça que estreou em 2002, foi
criada após o impacto do 11 de
Setembro e será exibida por
seis dias em São Paulo, a partir
do próximo dia 28, e depois no
festival Porto Alegre em Cena,
em 7 e 8 de setembro.
A escolha da apresentação de
"Para as Crianças..." -o Tanztheater Wuppertal de Bausch
tem em seu repertório mais de
20 peças- coube à própria coreógrafa. "Ela fez questão de
trazer esse espetáculo, disse
que queria que ele fosse visto
no Brasil", conta Emilio Kalil,
produtor que traz a companhia.
É a sexta vez que Bausch se
apresenta no Brasil, a quinta
em São Paulo, algo raro na
apertada agenda do grupo. O
motivo é o forte vínculo da alemã com o país -até suas férias
passa por aqui, às vezes.
"Amo o Brasil, adoro sua gente, sua tranqüilidade dentro de
uma situação tão adversa", disse ela à Folha, numa entrevista
em duas etapas. Um gravador,
as perguntas, fitas e pilhas foram enviados à coreógrafa, durante sua estada em Paris, no
mês passado, que respondeu ao
aparelho e o enviou à reportagem. Leia a seguir o resultado.
FOLHA - "Para as Crianças de Ontem, Hoje e Amanhã" foi criada
após o 11 de Setembro. A peça possui relação com essa tragédia?
PINA BAUSCH - Sim, mas tem a
ver com todas as tragédias, em
como vivemos num tempo dolorido, de desamparo. Existem
certos momentos que não sei
como criar um espetáculo, não
sinto nada, é muito difícil continuar criando. Então o que podemos fazer? É muito complicado. É usar algo que está dentro de nós, mas não só. No fundo, todas as nossas criações
possuem uma relação estreita
com o que acontece no mundo.
FOLHA - A peça é, já no nome, dedicada às crianças. Por quê?
BAUSCH - Porque creio que é
um título muito importante. O
que pode ser mais importante
do que esse título? A peça aborda certos sentimentos que todos nós temos, como a fragilidade, a ingenuidade que perdemos. Não se trata apenas de
abordar como estão as crianças
hoje, mas que todos já fomos
crianças. Creio que o título diz
tudo o que eu gostaria de dizer.
FOLHA - Nessa peça, a sra. utiliza
textos como "Harmonia Caelestis",
do escritor húngaro Péter Esterhazy,
ou ainda fábulas infantis norte-americanas recolhidas por Michael
Caduto und Joseph Bruchac. Por que
usar esses textos?
BAUSCH - Oh, nós sempre lemos muitos textos e estamos
buscando por certas questões.
Também conheço Péter muito
bem, já li diversos livros dele,
ele tem um humor muito especial. É uma forma de construir
o espetáculo. Usamos textos
como usamos movimento ou
música. A mesma coisa para os
textos de Michael. É a forma
como trabalhamos.
FOLHA - Em seus espetáculos, há
sempre a natureza presente. Água,
terra, plantas ou areia, como em
"Para as Crianças...". Por que a natureza é necessária em suas peças?
BAUSCH - Porque ela é de fato
importante. Mas há outra razão. Trabalho a maior parte do
tempo dentro de um estúdio
sem janelas, em Wuppertal.
Era um antigo cinema, que usamos como sala de ensaios. Mas
eu coloco minha fantasia lá
dentro também. Eu tenho o
nascer do sol, a areia. Para
mim, tudo pode estar lá. E, normalmente, nós não vemos apenas esses elementos da natureza em nossas peças, nós os vivenciamos, eles interferem em
nosso movimento, seja a grama
ou folhas... Isso traz uma nova
experiência para o corpo, para
o som. Há tantas coisas também sensoriais para tratar. Se
eu não posso ir lá fora, eu trago
tudo isso para dentro [risadas].
FOLHA - Outro elemento constante
é a interação com o público, servindo vinho, café, dando abraços... A
sra. gostaria que não houvesse limites entre palco e platéia?
BAUSCH - Eu sou muito tímida,
há sempre um limite. O que é
bonito sobre encenar um espetáculo é que cada performance
é diferente da outra. Ela nunca
pode ser repetida novamente,
sempre será única. E eu acredito que público e dançarinos são
apenas uma coisa, por isso adoro performances ao vivo. Ao
mesmo tempo, é sempre um
recomeço. Depois que fazemos
com que ela tenha acontecido,
precisamos conseguir torná-la
viva novamente no dia seguinte. Uma vez feita, há sempre
que recomeçar. E eu gosto de
vir aqui e sentir cada um, mas
de uma maneira muito respeitosa. E eu sempre sinto algo especial nesse tipo de relação. Há
algo muito mais além do que
simplesmente servir vinho. Vinho ou café são símbolos de
proximidade, além de haver
também um certo humor disso
ocorrer num teatro. Mas eu
mesma tenho meus limites,
sou mesmo muito tímida.
FOLHA - O que a motiva a criar uma
peça de dança atualmente?
BAUSCH - É a única maneira
que eu consigo me expressar de
fato. É a minha linguagem, é como eu sei dizer o que acho que
devo dizer -e não em palavras
apenas. O que espero, do que
gostaria. É através das peças
que as pessoas me conhecem
de verdade.
PARA AS CRIANÇAS DE ONTEM, HOJE E AMANHÃ
Quando: em SP, de 28 a 30/8 e de 1º a
3/ 9; em Porto Alegre, dias 7 e 8/9
Onde: em SP, no teatro Alfa (tel. 0/xx/11/5693-4000); em Porto Alegre,
no teatro do Sesi (tel. 0/xx/51/3347-8786)
Quanto: em SP, de R$ 30 a R$ 200; em Porto Alegre, R$ 20
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