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Crítica/"A Comédia do Poder"
Chabrol espelha nossos próprios escândalos em filme sobre a corrupção
PEDRO BUTCHER
CRÍTICO DA FOLHA
Em vários sentidos, "A
Comédia do Poder" é
um filme que o cinema
brasileiro já deveria ter feito,
mas ainda não fez. Tanto pelo
tema (corrupção no alto escalão) como pela forma (à altura
da complexidade do assunto), o
novo longa-metragem de Claude Chabrol apresenta aquilo
que mais faz falta em nossa
produção cinematográfica
atual: independência de olhar,
rigor narrativo e uma aguda capacidade de observação social.
Infelizmente, o título em
português induz a um erro de
recepção. Chabrol não fez uma
comédia, e a tradução do original, bem mais fiel à complexidade da proposta, seria "A Embriaguez do Poder". O roteiro é
livremente inspirado em um
famoso escândalo de corrupção
que estourou na França em
1994, conhecido como "L'affaire Elf". Mas Chabrol não está
tão interessado no escândalo
em si. Prefere concentrar seu
ponto de vista no cotidiano da
juíza que comandou as investigações, interpretada por sua
atriz-fetiche, Isabelle Huppert.
A aparente simplicidade narrativa esconde um apuro de linguagem incomum. Um dos
mais prolíficos cineastas da geração da Nouvelle Vague, Chabrol é um hitchcockiano incurável. Em 1957 -antes do monumental livro de entrevistas
realizado por Truffaut, portanto-, ele escreveu, ao lado de
Eric Rohmer, um livro seminal
sobre a obra do mestre do suspense.
O conhecimento profundo
do método de Hitchcock, baseado em um total controle sobre a imagem, é utilizado na
construção de um universo
pessoal, menos estilizado e de
aparência mais naturalista. Cada enquadramento, cada movimento de câmera e cada corte
tem uma função dramática.
Quase sempre de forma imperceptível, o olhar do espectador
é direcionado ou -raramente-
confundido (para quem quiser
compreender melhor esse estilo, uma dica é assistir ao DVD
de "A Teia de Chocolate", em
que o diretor dá uma aula de cinema ao comentar cinco seqüências do filme).
O escândalo de corrupção é a
matéria-prima para uma observação cirúrgica das relações
entre os interesses públicos e
privados -nesse aspecto, traçar paralelos com o Brasil é algo
inevitável. Como em tantos outros escândalos -o de Renan
Calheiros incluído-, o que traz
à tona o mar de lama dos favorecimentos políticos e abuso de
poder é uma questão privada
(as revelações de uma amante
insatisfeita). Mas Chabrol consegue o pequeno milagre de
evitar as armadilhas do maniqueísmo sem, nunca, perder o
senso crítico.
Dos filmes dessa nova fase de
Chabrol, iniciada com "Negócios à Parte" (1997), "A Comédia do Poder" é o mais incisivo e
bem resolvido. Para nós, cai
ainda como uma dupla bomba,
pois põe a nu a fragilidade do
sistema judiciário e a nossa dificuldade em espelhar nossos
próprios escândalos de forma
tão incisiva.
A COMÉDIA DO PODER
Direção: Claude Chabrol
Produção: Alemanha/França, 2006
Com: Isabelle Huppert, François Berléand e Patrick Bruel
Quando: em cartaz nos cines Espaço
Unibanco, HSBC Belas Artes e Sala
UOL
Avaliação: ótimo
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