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Pagodinho fecha o baú de canções aos novos no samba
"Quem tem aí pra gravar samba?", desafia compositor,
para quem jovens intérpretes "mudam muito" as canções
Ele mantém inédita sua
produção autoral e
grava músicas de
terceiros porque amigos
precisam de dinheiro
MARCUS PRETO
DE SÃO PAULO
Conforme foi fazendo mais
e mais sucesso popular, a voz
de Zeca Pagodinho se tornou
uma das pontes eficazes entre os compositores do samba -estreantes ou veteranos- e o grande público.
Apesar de ser também ele
um compositor, acabou por
deixar o trabalho autoral em
campo secundário.
"Tem tanta gente precisando ganhar um dinheirinho, não vou ficar gravando
música minha", diz, assumindo o papel de intérprete
que, no passado, pertencia
essencialmente às cantoras.
O baú de canções inéditas,
portanto, está cheio. Mas Pagodinho prefere mantê-lo fechado. Segundo afirma, não
vê entre os artistas da nova
geração quem possa gravá-las de modo satisfatório.
"Antigamente, a gente fazia um samba e tinha, pra
cantar, a Beth [Carvalho], a
Alcione, o Roberto Ribeiro, o
João Nogueira, o Agepê, o
[grupo] Exporta Samba, o
Mussum", enumera. "Hoje,
quem tem aí pra gravar samba? Eu não conheço."
Diz reconhecer a importância do trabalho dos artistas da nova geração -que,
desde a revitalização da Lapa
carioca no começo da década
passada, vem se dedicando a
estudar, criar, cantar e divulgar o samba. Mas confessa
suas restrições.
"O que eles fazem é legal
-mas não muito. Vamos dizer assim: tem lugar pra todo
mundo, mas cada um no seu
lugar", ele diz, e sorri com o
bom efeito da própria frase.
Pagodinho não cita nomes, mas expõe as razões
que, na prática, criam a incompatibilidade.
"Nêgo muda muito [o espírito da composição], é complicado. Se eles fizessem como a gente quer que seja feito...", afirma. "A gente vem
de outro conceito, esse é que
o problema."
ROUCO
Há uma semana exata, por
volta das três da tarde, Pagodinho gravava a voz definitiva em "Chama de Saudade",
samba de Beto Sem Braço e
Serginho Meriti. Colocava,
naquele momento, o ponto
final em "Vida da Minha Vida", seu próximo álbum.
Ao contrário de quase todos os outros cantores do
mundo, Zeca não vê problemas em cantar de manhã.
Também não aquece a voz.
"Eu gravo bebendo cerveja
pra voz ficar rouca", diz, enriquecendo sempre o caráter
personagem do personagem
que construiu para si. "Se a
voz sair muito certinha, ninguém vai acreditar que é o Zeca Pagodinho cantando."
O trabalho está sob o comando do veterano Rildo Hora, que produziu clássicos de
Beth Carvalho e Martinho da
Vila a partir dos anos 1970, e
trabalha nos discos de Zeca
há mais de uma década.
"É só ele estar bem humorado e com a cuca legal que
não dá nenhum trabalho pra
mim", diz Hora. O produtor
assume para si a função mais
difícil do processo: trazer renovação musical ao álbum.
"Ele é como Frank Sinatra,
você ainda nem ouviu e já sabe o que vai encontrar [no novo disco]", diz. "Cabe à produção trazer coisas novas para não ficar parecendo que se
copiou o disco anterior."
As nuances, ele diz, são
conseguidas sobretudo nos
arranjos orquestrais. Desta
vez, usou oito violinos, duas
violas, dois violoncelos e
uma harpa -instrumento
um tanto incomum em produções de samba.
"A harpa é um luxo que
pouca gente pode se dar, sai
caro demais. Não só pelo
transporte, mas também pelo cachê da harpista, que é diferenciado", diz Hora. "Mas o
Zeca não tem esse problema
com limite de verba."
VOVÔ
A harpa foi usada em "Orgulho do Vovô", única música de "Vida da Minha Vida"
assinada por Pagodinho (em
parceria com Arlindo Cruz). É
dedicada ao neto recém-nascido do cantor.
O vovô conta como o samba foi feito. "Meu compadre
Arlindo foi ver o meu neto.
Nós nos embriagamos mais
uma vez, fizemos essa música e nem o menino ele viu.
Esqueceu. Depois disso, me
ligou: "Zeca, precisamos marcar outra cerveja pra eu conhecer a criança"."
No resto do álbum, recorre
a repertório composto pelo
que chama de "família Pagodinho": Arlindo Cruz, Monarco, Mauro Diniz, Dona
Ivone Lara, Delcio Carvalho,
Nelson Sargento, Nelson Rufino e Serginho Meriti, entre
outros autores que vem propagando como intérprete.
"Eu não tenho afilhados.
Todo mundo se torna da família Pagodinho", diz.
O membro mais recente do
grupo é o paulista Gilson de
Souza, autor de clássicos como "Orgulho de um Sambista", gravado por Jair Rodrigues nos anos 1970, e "Pôxa", que Zeca reedita agora.
Lembrou da velha canção
ao ouvi-la na rádio Tupi AM,
enquanto esperava para ouvir a oração às seis da tarde.
"Eu estava procurando
uma música que tivesse sido
sucesso, mas que as pessoas
não se lembrassem muito",
diz. "É legal porque você puxa o cara [compositor] que
está lá esquecido. Puxa o cara lá do fundo."
JOÃO PEREIRA COUTINHO
O colunista está em férias.
AMANHÃ NA ILUSTRADA:
Marcelo Coelho
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