São Paulo, sexta-feira, 03 de setembro de 2004

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MÚSICA

Banda formada por três garotas e um rapaz tenta furar o bloqueio governamental da China e lançar terceiro disco

Punk chinês emerge com Hang on the Box

THIAGO NEY
DA REDAÇÃO

Após Atenas, os olhos viram-se para Pequim. Para a música de Pequim. Demorou bastante, mas o punk chegou à China e hoje é representado mais fortemente pelo Hang on the Box, grupo formado por um trio de garotas mais um garoto que, após uma tortuosa trajetória -que bateu de frente até com o governo chinês-, tenta lançar mundialmente seu novo álbum -o terceiro.
Se não é fácil fazer e viver de rock no Brasil, muito menos o é na China. Com dois discos lançados no escasso mercado de rock de seu país ("Yellow Banana", de 2001, e "Di, Di, Di", de 2003) e uma coletânea produzida exclusivamente para a Europa ("For Every Punk Bitch and Arsehole", do ano passado), o Hang on the Box luta para fechar contrato com alguma gravadora que encampe o próximo CD, ainda sem título.
Por e-mail, a Folha conversou com Wang Yue (líder e vocalista, a mais "rebelde" do grupo), Gan Xin Pu (guitarrista, único homem no grupo), Yi Lina (baixista) e Shen Jing (baterista) sobre a situação da banda e da juventude roqueira chinesa.
"Mais e mais jovens estão ouvindo rock and roll, mas o comportamento deles e o jeito de se vestirem são muito "modernos" na visão do governo. Hoje está mais fácil ter acesso a informações sobre rock e cultura jovem, por meio da internet e de várias revistas", contou Wang Yue, 25.
"Há alguns lugares para tocar e emissoras de rádio, a cena até que não está tão ruim. Pequim é o centro da nova cultura na China, e a verdade é que vivendo aqui você não precisa ter um emprego fixo para ter uma vida excitante", diz Shen Jing, 22.
A história do Hang on the Box invariavelmente se embaralha com a história do rock em seu país. De 1976, o punk foi bater em Pequim em 1996, quando artistas e bandas de nome Gao Yang, Liang Wei e Brain Failure, inspirados pelo Nirvana de Kurt Cobain -que começava a aparecer na China-, passaram a tocar em pequenos bares da capital.
Naquele ano, foi inaugurado o que seria a base para o "movimento": o clube Scream, onde gente como Hang on the Box e Reflector se apresentavam e trocavam informações.
O Hang on the Box logo se destacou no cenário. As causas eram tanto as meninas quanto as músicas (cantadas em inglês) gritadas e espalhafatosas, de títulos como "Bitch" (Vagabunda), "Asshole, I'm Not Your Baby" (Babaca, Eu Não Sou Sua Menina) e "You Lost Everything But It's Not My Fault" (Você Perdeu Tudo, Mas Não É Minha Culpa).
"Gravar e lançar músicas com esses nomes foi bastante difícil", diz Wang Yue. "Nossos dois álbuns venderam bem. A compilação também. Fazemos uma média de dois shows por mês e já excursionamos nos EUA e Japão."
Difícil também foi a recepção que as garotas tinham em alguns shows, até há dois ou três anos. Houve casos em que elas foram agredidas no palco, só por serem garotas tocando rock. "Isso acontecia, mas nós continuamos juntas e enfrentamos, por isso acho que nós somos as garotas mais corajosas na China", diz Wang Yue. "Agora a situação mais difícil é arranjar um lugar para ensaiar. Nós não temos dinheiro para ficar alugando estúdios", conta Yi Lina.
A principal turnê do grupo aconteceu em março de 2003, quando eles foram escalados para o festival South by Southwest, no Texas. No começo deste ano, eles foram convidados para participar da "New World Disorder Tour", no Reino Unido. Mas o Hang on the Box não obteve permissão para deixar a China, segundo o divulgado na época, porque eles não "representavam adequadamente a cultura chinesa". Mas hoje a banda nega essa versão. "Não houve nada com o governo."
No final do ano passado, a banda não renovou contrato com a gravadora japonesa Benten -que impulsionava a carreira internacional do Hang on the Box-, pois não seria vantajoso para o grupo.
Agora, com bandas como Clash, Velvet Underground, Belle & Sebastian, Liars e Soulwax em seus disc-players, eles correm atrás de um novo selo, pois a prioridade, segundo Wang Yue, não é o mercado chinês.
"Nossa música é indie, pós-punk e até free jazz. Claro que vamos nos concentrar em tentar carreira internacional. A China necessita de um tempo até poder aceitar artistas como nós. A China não precisa da gente; o mundo precisa."


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