São Paulo, domingo, 03 de setembro de 2006

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Obras integram fenômeno de espetacularização

NOEMI JAFFE
ESPECIAL PARA A FOLHA

Há uma contradição nesses três livros sobre ex-garotas de programa -"O Diário de Marise", "A Agenda de Virgínia" e "O Doce Veneno do Escorpião: O Diário de uma Garota de Programa".
Os volumes foram lançados depois que as três abandonaram a vida de garota de programa, aparentemente para ajudá-las a permanecer longe do ofício, auxiliar outras meninas já envolvidas e advertir as interessadas.
Mesmo assim, de todas as obras escorre tanta pornografia que poderiam tranqüilamente passar por revistas masculinas baratas. As justificativas para a escolha da carreira -invariavelmente a falta de afeto por parte do pai-, as dificuldades da profissão e o desejo de abandoná-la aparecem como acessórios artificiais para o verdadeiro objeto dos livros: a descrição minuciosa de experiências sexuais.
Ora, se o livro é publicado para que as garotas possam largar a profissão, por que são todos centrados em narrativas picantes? A resposta é mais do que óbvia. É como se o desejo de abandonar o trabalho, o confessionalismo e a dupla personalidade -todas são criador e criatura, com nomes duplos- fossem apenas mais um ingrediente para a excitação do cliente potencial.
E o ódio aos homens -que aparece nos três livros- se transforma novamente em submissão a eles, já que aparece como mais uma estratégia de marketing. Dizer que essa seria uma estratégia às avessas, uma vingança invertida à infidelidade masculina, seria (pelo menos nesse caso) uma falsidade.
Como no caso do sucesso de "Big Brother", "Casa dos Artistas" e afins, trata-se de mais um fenômeno de espetacularização do outro, em que a pornografia aparece como um componente de uma operação que o pensador francês Jean Baudrillard chama de "servidão voluntária, aquela das vítimas fruidoras do mal que se lhes faz".

Voyeurismo
Não se trata de moralismo. O "mal" não é o sexo desabrido, mas a pornografia travestida de justificativas psicológicas e de injustiça social. Infinitamente superior a essas publicações, muito mais autêntica e vital é uma organização como a Daspu, grife carioca que satiriza a Daslu, em que todas as integrantes dizem exatamente a que vieram, quem são e o que querem, sem a manutenção perversa de um mórbido jogo voyeurista.
Trata-se mesmo de uma situação capciosa. Imagino que dirão: no momento em que se decide largar a difícil carreira e desencorajar outras garotas a fazer o mesmo, surgem inevitavelmente as críticas de quem não passou por nada semelhante. Não sei o caminho. Mas tenho certeza de que a fetichização travestida de interpretações psicológicas não é um deles.


O DOCE VENENO DO ESCORPIÃO: O DIÁRIO DE UMA GAROTA DE PROGRAMA
Autor: Bruna Surfistinha
Editora: Panda Books
Quanto: R$ 25 (168 págs.)

O DIÁRIO DE MARISE
Autor:
Vanessa de Oliveira
Editora: Matrix
Quanto: R$ 35 (414 págs.)

A AGENDA DE VIRGÍNIA
Autor:
Alejandra Duque
Editora: Planeta do Brasil
Quanto: R$ 35 (296 págs.)


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