|
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice
Obras integram fenômeno de espetacularização
NOEMI JAFFE
ESPECIAL PARA A FOLHA
Há uma contradição nesses três livros sobre ex-garotas de programa -"O Diário
de Marise", "A Agenda de
Virgínia" e "O Doce Veneno
do Escorpião: O Diário de
uma Garota de Programa".
Os volumes foram lançados depois que as três abandonaram a vida de garota de
programa, aparentemente
para ajudá-las a permanecer
longe do ofício, auxiliar outras meninas já envolvidas e
advertir as interessadas.
Mesmo assim, de todas as
obras escorre tanta pornografia que poderiam tranqüilamente passar por revistas
masculinas baratas.
As justificativas para a escolha da carreira -invariavelmente a falta de afeto por
parte do pai-, as dificuldades da profissão e o desejo de
abandoná-la aparecem como
acessórios artificiais para o
verdadeiro objeto dos livros:
a descrição minuciosa de experiências sexuais.
Ora, se o livro é publicado
para que as garotas possam
largar a profissão, por que
são todos centrados em narrativas picantes? A resposta
é mais do que óbvia. É como
se o desejo de abandonar o
trabalho, o confessionalismo
e a dupla personalidade -todas são criador e criatura,
com nomes duplos- fossem
apenas mais um ingrediente
para a excitação do cliente
potencial.
E o ódio aos homens -que
aparece nos três livros- se
transforma novamente em
submissão a eles, já que aparece como mais uma estratégia de marketing. Dizer que
essa seria uma estratégia às
avessas, uma vingança invertida à infidelidade masculina, seria (pelo menos nesse
caso) uma falsidade.
Como no caso do sucesso
de "Big Brother", "Casa dos
Artistas" e afins, trata-se de
mais um fenômeno de espetacularização do outro, em
que a pornografia aparece
como um componente de
uma operação que o pensador francês Jean Baudrillard
chama de "servidão voluntária, aquela das vítimas fruidoras do mal que se lhes faz".
Voyeurismo
Não se trata de moralismo.
O "mal" não é o sexo desabrido, mas a pornografia travestida de justificativas psicológicas e de injustiça social.
Infinitamente superior a
essas publicações, muito
mais autêntica e vital é uma
organização como a Daspu,
grife carioca que satiriza a
Daslu, em que todas as integrantes dizem exatamente a
que vieram, quem são e o que
querem, sem a manutenção
perversa de um mórbido jogo voyeurista.
Trata-se mesmo de uma
situação capciosa. Imagino
que dirão: no momento em
que se decide largar a difícil
carreira e desencorajar outras garotas a fazer o mesmo,
surgem inevitavelmente as
críticas de quem não passou
por nada semelhante. Não
sei o caminho. Mas tenho
certeza de que a fetichização
travestida de interpretações
psicológicas não é um deles.
O DOCE VENENO DO ESCORPIÃO: O DIÁRIO DE UMA GAROTA DE PROGRAMA
Autor: Bruna Surfistinha
Editora: Panda Books
Quanto: R$ 25 (168 págs.)
O DIÁRIO DE MARISE
Autor: Vanessa de Oliveira
Editora: Matrix
Quanto: R$ 35 (414 págs.)
A AGENDA DE VIRGÍNIA
Autor: Alejandra Duque
Editora: Planeta do Brasil
Quanto: R$ 35 (296 págs.)
Texto Anterior: Frase Próximo Texto: Mônica Bergamo Índice
|