São Paulo, domingo, 03 de setembro de 2006

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Aïnouz leva segundo longa a Veneza

"O Céu de Suely", novo título do diretor de "Madame Satã", estréia hoje na mostra italiana e chega ao Brasil em novembro

Filme propõe reflexão sobre a ética e o desejo ao contar a história de uma mulher que negocia o próprio corpo para viabilizar o sonho de migrar


SILVANA ARANTES
DA REPORTAGEM LOCAL

O 63º Festival de Veneza põe fim hoje à espera pelo segundo longa do diretor brasileiro de origem argelina Karim Aïnouz. "O Céu de Suely" terá sua primeira exibição pública na seção "Horizontes" da mostra.
Em seu filme de estréia, Aïnouz refez na ficção a trajetória de um anti-herói da vida real. "Madame Satã" (2002) foi reconhecido por recontar com brilho a trajetória do malandro carioca João Francisco dos Santos (1900-1976) e, por meio dela, jogar luz sobre um aspecto da "marginalidade" brasileira.
O acerto do primeiro título de Aïnouz fez com que fosse aguardado com interesse o segundo, "O Céu de Suely", em que o diretor decidiu "contar a história de um não-herói".
O filme foi convidado para o Festival de Cannes (17 a 28/5), mas não ficou pronto a tempo. "Aïnouz faz parte dos que representam o futuro", declarou à Folha o diretor-artístico de Cannes, Thierry Frémaux.
Mas se a carreira de Aïnouz aponta para o futuro do cinema, em "O Céu de Suely" ele aborda uma questão que julga oportuna do presente: "Acho que falar de ética hoje é algo importante", afirma.
É de uma ética particular que trata "O Céu de Suely", que a Folha assistiu em sessão apenas para a imprensa, na semana passada, em São Paulo.
Antes de passar à história, é preciso esclarecer que os principais atores do filme emprestam seus próprios nomes aos personagens. Assim, Hermila é o nome da protagonista, interpretada por Hermila Guedes -que acompanha hoje o diretor na sessão em Veneza.
Com um filho pequeno, Hermila deixa São Paulo e faz o caminho de volta ao Nordeste, até Iguatu, sua cidade natal, no sertão do Ceará. O marido deveria ir um mês depois. Não vai.
"O Céu de Suely" passa a ser então a história do encontro de Hermila com a desilusão amorosa, de seu reencontro com um lugar onde quase nada acontece e de seu permanente desejo de encontrar um lugar no mundo. Não será Iguatu.
Mas, para chegar ao ponto mais distante de Iguatu que seja possível alcançar de ônibus, é preciso dinheiro -que Hermila não tem nem conseguirá economizar com seu trabalho no posto de gasolina da cidade .
É quando ela faz sua fantasia (de escape) coincidir com a fantasia sexual dos homens da cidade. Hermila inventa a personagem Suely e rifa "uma noite no paraíso" (daí um dos significados do título do filme).
Por decisão de Aïnouz, acompanhamos a trama sempre pela ótica de Hermila. "Contar a história do não-herói de um ponto de vista subjetivo, estar do lado dela o tempo todo era um dos desejos centrais desse filme."
Outro desejo era o de "retratar o sertão como um espaço metafórico, mais do que físico", objetivo que o diretor consegue realizar plenamente. Não há um só olhar apiedado para a paisagem humana e geográfica de Iguatu.
Foi para mais bem integrar os atores aos personagens e à cidade que o diretor optou por chamar os personagens pelo nome de quem os interpreta.
Era uma tentativa de "eliminar a distância entre o ator e o personagem e também um flerte com o hiper-realismo, um exercício de mentir bem", diz.
Aïnouz sabe que a experiência se beneficia de não haver "nomes superconhecidos" no elenco, embora reúna um time de grandes talentos.
Hermila Guedes, a caroneira no furgão de "Cinema, Aspirinas e Urubus" (Marcelo Gomes), volta a encontrar João Miguel, o sertanejo Ranulpho no filme de Gomes, agora como um piloto de moto-táxi. O resto é o filme. E não é pouco.


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