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FERREIRA GULLAR
Voto nulo
Votar, se é uma obrigação, é também um direito conquistado no regime democrático
PARECE CERTO que muita gente
promete anular o voto nas
próximas eleições. O número
de leitores indecisos -que, pelas últimas pesquisas, anda por volta de
20%- indica a dificuldade que tem
muita gente de ver com clareza o
quadro político.
Fora uma parte dos eleitores que
já optaram por Lula e pelos outros
candidatos, os demais parecem não
encontrar razões consistentes para
escolher em quem votar. Contribui
decisivamente para isso a sucessão
de escândalos, envolvendo o governo, parlamentares e ocupantes (ou
ex-ocupantes) de cargos executivos.
A acusação de que a atividade política é essencialmente corrupta e
corruptora induz muitos eleitores a
uma decisão radical: anular o voto
ou votar em branco. Com isso, manifestam, no mínimo, sua revolta e seu
protesto contra a sem-vergonhice
generalizada que compromete as
instituições da República.
Não há como lhes negar razão. De
fato, não tenho lembrança, desde
que me entendo como gente, de tanta corrupção e tanto escândalo implicando um número tão grande de
políticos. Só no escândalo dos sanguessugas estão acusados quase 70
deputados, ou seja 12% da Câmara,
sem falar em governadores, ex-ministros, quase todos candidatos nas
próximas eleições.
Muitos dos implicados nas fraudes do mensalão -que renunciaram
aos mandatos para não ter os direitos políticos cassados- tiveram
suas candidaturas aceitas por seus
respectivos partidos. Como classificar tais partidos? O descaramento é
tanto que o assessor especial do presidente da República chegou ao
ponto de declarar que isso não tem
importância, pois "vergonha é não
ter voto". Diante de tal desfaçatez,
nada mais natural que o eleitor se
negue a participar da farsa e queira
anular o voto.
É justo e sadio indignar-se, mas isso não deve nos impedir de refletir,
de ponderar, para ver qual a melhor
maneira e a mais eficaz de responder a tais abusos. Se os que não aceitam a corrupção anulam o voto ou
votam em branco, o resultado será a
vitória eleitoral dos corruptos.
Mas como saber quais são os efetivamente honestos?, pergunta-me
um amigo. Não é fácil, claro, mas, pelo menos, podemos negar nossos votos aos que já estão identificados como corruptos. Se os excluirmos do
parlamento, já teremos prestado
um grande serviço ao país.
Votar nulo é, de fato, dar chance
ao safado. A história política brasileira de poucas décadas atrás nos ensina uma lição que merece ser lembrada neste momento.
Durante a ditadura, a oposição ao
regime dividiu-se entre aqueles que
acreditavam que era possível derrotá-lo pacificamente, exigindo a restauração das liberdades democráticas, e os que optaram pela luta armada e pregavam o voto nulo ou em
branco, já que, segundo eles, as eleições eram uma farsa que legitimava
o regime.
A conseqüência de uma tal atitude, na prática, era que, embora a ditadura tivesse menos votos que a
oposição, ganhava as eleições, uma
vez que os votos oposicionistas, somados aos nulos e em branco, superavam em muito os de apoio ao governo. E, com isso, ao contrário do
que afirmavam os adeptos da luta
armada, legitimavam o regime.
Só depois que a guerrilha foi definitivamente derrotada, em 1973, a
ilusão se desfez, e os eleitores contrários à ditadura voltaram a votar
nos candidatos de oposição. E assim
foi que, nas eleições de 1974, a oposição elegeu os candidatos a senador
de 21 dos 26 Estados.
O regime acusou o golpe e passou
a falar em abertura política. Encurralada, a ditadura foi cedendo terreno, dividindo-se internamente, perdendo fôlego, até devolver o governo
aos civis. Evidentemente, a situação
atual não é a mesma, já que agora o
que está em dúvida é a honestidade
dos políticos em geral. Apesar disso,
votar nulo é, como antes, fazer o jogo
do inimigo.
Deve o eleitor compreender que
votar, se é uma obrigação do cidadão, é também um direito que ele
conquistou no regime democrático
e que lhe permite influir no destino
da sociedade, elegendo seus governantes. Por isso, a atitude correta,
quando se criam situações como as
que enfrentamos hoje, é empenhar-se na seleção mais rigorosa dos candidatos. Se não é possível eliminar
toda possibilidade de erro nessa escolha, erraremos menos quanto melhor nos informarmos.
O que o eleitor tem de saber é que,
querendo ou não, as eleições estão
aí, candidatos serão eleitos, e a eles
caberá legislar e administrar o país,
em diferentes níveis. O voto nulo ou
em branco não impedirá que isso
aconteça.
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