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GUILHERME WISNIK
Os novos nômades
Sujeito emergente da cidade contemporânea é retratado em livro do arquiteto espanhol Iñaki Ábalos
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MORADORES de cidades como Veneza, Florença ou
Barcelona acostumam-se
cada vez mais a ter o seu espaço cotidiano tomado por multidões de turistas que, no entanto, alimentam a
sua economia. Ao mesmo tempo,
moradores de bairros antes pacatos
e residenciais como a Vila Olímpia,
em São Paulo, convivem com a proliferação de torres de escritório ocupadas por empresas transnacionais
voláteis, que as alugam de anônimos
fundos de pensão. Torres que são,
supostamente, a base hospedeira
para capitais que, conquanto não
"fugissem", deveriam manter a economia da cidade girando.
Fica claro que, em todos esses casos, a noção de pertencimento dos
habitantes à "sua" cidade ou ao
"seu" bairro está, no mínimo, em
crise. E que, para muitas cidades, as
alternativas de "sobrevivência" são,
simultaneamente, predatórias.
Quem é o novo sujeito emergente
na cidade contemporânea? A pergunta ressoa em "A Boa-Vida: Visita
Guiada às Casas da Modernidade"
(Gustavo Gili, 208 págs., R$ 75,25),
do arquiteto espanhol Iñaki Ábalos,
particularmente no capítulo sobre o
pós-humanismo desconstrutivista.
É significativo que, tendo como
tema a casa, o autor não possa abordar o momento atual sem tratar fundamentalmente da cidade, na qual
desponta a figura do "nômade". Pois
o crescente aumento da mobilidade,
em oposição às instâncias estáticas e
tradicionais da família e do lugar de
origem, nos conduzem a uma instalação no mundo cada vez mais fugaz
e individualizada, paralela à própria
mobilidade do capital no território.
Ábalos, nesse ponto, toma como
mote as provocações do arquiteto
japonês Toyo Ito, nos projetos que
fez para a "mulher nômade de Tóquio": frágeis cabanas móveis contendo apenas um toucador, uma
mesa de telecomunicação e uma cadeira de repouso. Jovem e independente, a "mulher nômade" é ociosa e
consumista. Por isso sua casa é apenas um pequeno conjunto de artefatos: leve e sem privacidade.
Ela, desse modo, não se insere na
cidade do trabalho, do transporte,
da família ou do lazer. Como um inseto, apenas pousa com sua cabana
parasita em lugares privilegiados.
Pois, embora não produza, o seu
consumismo é funcional ao sistema:
eis o atual paradoxo da especulação
financeira, isto é, da geração espontânea de riqueza no capitalismo tardio (em que, no fundo, a estabilidade global depende da desarticulação e
flexibilização das estruturas locais).
Essa cidade ("global", "genérica")
é, portanto, protagonizada pelos
"novos nômades": aqueles que estão
nela sem estar. Sejam hordas de turistas, ações correndo no pregão da
bolsa de valores, corporações rentistas ou navegantes da internet. "Tarzãs numa floresta midiática", segundo Toyo Ito.
É curioso como a imagem da "mulher nômade" se distingue da figura
histórica do burguês, cuja agorafobia (aversão ao espaço público) alimentou um certo fetiche da intimidade como refúgio da cidade. Essa
figura aponta para uma outra elite,
que não mais aquela encastelada em
palacetes e que despreza solenemente o trinômio trabalho, família e
propriedade.
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