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A volta dos Beatles
Remasterização de 14 CDs da banda inglesa, que chegam
às lojas na quarta que vem, faz beatlemaníacos suarem frio;
lançamento, em versões mono e estéreo, é mundial
IVAN FINOTTI
EDITOR-ADJUNTO DA ILUSTRADA
Se existe um equivalente cultural ao xiita, trata-se do beatlemaníaco. O beatlemaníaco é
conservador, é radical e é bravo. Francisco Simões, 39, é um
beatlemaníaco. Por exemplo:
tem em casa 83 discos de vinil
dos Beatles (CDs ele não conta), a maioria repetido. Outro
exemplo: teve um cachorro que
se chamava Give Peace a Chance (música de John Lennon).
Mais um: ele chorou em 1º de
junho de 1987 porque naquele
dia o LP "Sgt. Pepper's Lonely
Hearts Club Band" completou
20 anos e, na primeira frase da
primeira música do disco, Paul
McCartney canta assim: "Foi
há 20 anos hoje".
E, finalmente, Simões espumou de raiva quando George
Martin remixou os álbuns
"Help!" e "Rubber Soul" para
lançamento em CD em 1987.
"Tem uma música chamada
"Tell Me What You See" que
mudou demais. No original, havia um reco-reco. Após essa remixagem, o som ficou tão claro
que parecia um pente de plástico. Ele se destacou da massa sonora original e ficou horrível."
Eis aí o que não deixa os beatlemaníacos dormirem sossegados. Toda vez que executivos
e donos das músicas do Beatles
resolvem mexer, modernizar,
melhorar, comprimir, descomprimir, digitalizar ou remasterizar o cancioneiro da banda,
eles sentem um arrepio na espinha. Como agora.
A EMI vai lançar mundialmente na quarta que vem (dia
9/9/09) os 14 CDs dos Beatles,
remasterizados, em capinhas
estilosas, com fotos inéditas e
com minidocumentários de 4
minutos sobre a produção de
cada disco para ser visto em
computador -será lançado
também na mesma data o jogo
Beatles Rock Band. Ainda não
há informação exata sobre vendas digitais.
Os CDs avulsos estão sendo
produzidos no Brasil (custarão
R$ 35, em média). A EMI ainda
colocará à venda duas caixas
importadas com pôsteres, extras e um DVD com os minidocumentários, uma em estéreo
(R$ 800) e outra com os CDs
em mono (R$ 950).
Por incrível que pareça no século 21, a mono é a preferida
dos xiitas, já que é essa a versão
da mixagem que os Beatles em
pessoa acompanhavam, nos
anos 60 -a versão em estéreo
era feita apenas pelos engenheiros, mais tarde (a rigor, um
beatlemaníaco audiófilo extremo só ouve Beatles de uma forma: em LP de vinil original dos
anos 60, produzido na Inglaterra e na versão mono).
Pois anteontem, a EMI promoveu em São Paulo uma sessão para a imprensa. Trechos
de uma dúzia de músicas, antes
e depois da remasterização, foram tocados. A Folha convidou
Simões para a audição.
Simões não se diz um audiófilo extremo, mas está acostumado a ouvir Beatles em sua vitrola de 3.000 dólares, com
agulha feita a mão no Japão e
com as caixas de som em ângulo de 60 graus obrigatoriamente posicionadas para seu nariz,
formando um perfeito triângulo equilátero.
Cânone
Para analisar o que ouvia anteontem, Simões fechou os
olhos e colocou as mãos em
concha em volta do rosto.
A cada nova música, fazia cara de quem recebia uma punhalada. "Em primeiro lugar, achei
o som da sala muito ruim, alto
demais, doendo o ouvido. Só
ouvindo os remasters em equipamento de confiança dá para
dizer algo mais definitivo. Dito
isso, o Allan Rouse [engenheiro
responsável pelas remasterizações] parece ter feito basicamente duas coisas: mexeu no
volume e nos graves e agudos",
disse.
"Essa questão do volume se
chama "limiting". É mais ou menos o seguinte: as partes mais
altas da música continuam
iguais. As mais baixas são aumentadas e se aproximam do
volume das mais altas. Isso faz
com que a música fique melhor
para ser ouvida em ambientes
abertos, como num shopping
ou na balada, ou no rádio ou no
carro. Mas, num bom equipamento, ela perde a dinâmica; fica sempre igual", diz Simões.
"A outra mudança foi acentuar um pouco os graves e os
agudos. A questão aqui é outra;
não é técnica. É de cânone."
Cânone é uma palavra mágica. Trata-se da discografia original, mas não desses 14 CDs
remasterizados. É mais que físico; é um conceito.
O cânone dos Beatles passa
pelos LPs de vinil mono produzidos nos anos 60. Se Lennon e
McCartney fizeram o disco de
um jeito, como um engenheiro
pode vir acrescentar graves e
agudos? Mexer no volume? Como podem querer "melhorar",
entre aspas?
Mesmo que as diferenças sejam raramente percebidas, os
audiófilos suam frio com essas
liberdades. Simões, no entanto,
diz que dificilmente distinguiria uma versão da outra sem tocá-las em seguida.
As peculiaridades e exigências sonoras dos beatlemaníacos, como se vê, são simples:
voltar no tempo e congelar a vida nos anos 60.
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