São Paulo, quinta-feira, 03 de setembro de 2009

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A volta dos Beatles

Remasterização de 14 CDs da banda inglesa, que chegam às lojas na quarta que vem, faz beatlemaníacos suarem frio; lançamento, em versões mono e estéreo, é mundial

IVAN FINOTTI
EDITOR-ADJUNTO DA ILUSTRADA

Se existe um equivalente cultural ao xiita, trata-se do beatlemaníaco. O beatlemaníaco é conservador, é radical e é bravo. Francisco Simões, 39, é um beatlemaníaco. Por exemplo: tem em casa 83 discos de vinil dos Beatles (CDs ele não conta), a maioria repetido. Outro exemplo: teve um cachorro que se chamava Give Peace a Chance (música de John Lennon).
Mais um: ele chorou em 1º de junho de 1987 porque naquele dia o LP "Sgt. Pepper's Lonely Hearts Club Band" completou 20 anos e, na primeira frase da primeira música do disco, Paul McCartney canta assim: "Foi há 20 anos hoje".
E, finalmente, Simões espumou de raiva quando George Martin remixou os álbuns "Help!" e "Rubber Soul" para lançamento em CD em 1987. "Tem uma música chamada "Tell Me What You See" que mudou demais. No original, havia um reco-reco. Após essa remixagem, o som ficou tão claro que parecia um pente de plástico. Ele se destacou da massa sonora original e ficou horrível."
Eis aí o que não deixa os beatlemaníacos dormirem sossegados. Toda vez que executivos e donos das músicas do Beatles resolvem mexer, modernizar, melhorar, comprimir, descomprimir, digitalizar ou remasterizar o cancioneiro da banda, eles sentem um arrepio na espinha. Como agora.
A EMI vai lançar mundialmente na quarta que vem (dia 9/9/09) os 14 CDs dos Beatles, remasterizados, em capinhas estilosas, com fotos inéditas e com minidocumentários de 4 minutos sobre a produção de cada disco para ser visto em computador -será lançado também na mesma data o jogo Beatles Rock Band. Ainda não há informação exata sobre vendas digitais.
Os CDs avulsos estão sendo produzidos no Brasil (custarão R$ 35, em média). A EMI ainda colocará à venda duas caixas importadas com pôsteres, extras e um DVD com os minidocumentários, uma em estéreo (R$ 800) e outra com os CDs em mono (R$ 950).
Por incrível que pareça no século 21, a mono é a preferida dos xiitas, já que é essa a versão da mixagem que os Beatles em pessoa acompanhavam, nos anos 60 -a versão em estéreo era feita apenas pelos engenheiros, mais tarde (a rigor, um beatlemaníaco audiófilo extremo só ouve Beatles de uma forma: em LP de vinil original dos anos 60, produzido na Inglaterra e na versão mono).
Pois anteontem, a EMI promoveu em São Paulo uma sessão para a imprensa. Trechos de uma dúzia de músicas, antes e depois da remasterização, foram tocados. A Folha convidou Simões para a audição.
Simões não se diz um audiófilo extremo, mas está acostumado a ouvir Beatles em sua vitrola de 3.000 dólares, com agulha feita a mão no Japão e com as caixas de som em ângulo de 60 graus obrigatoriamente posicionadas para seu nariz, formando um perfeito triângulo equilátero.

Cânone
Para analisar o que ouvia anteontem, Simões fechou os olhos e colocou as mãos em concha em volta do rosto.
A cada nova música, fazia cara de quem recebia uma punhalada. "Em primeiro lugar, achei o som da sala muito ruim, alto demais, doendo o ouvido. Só ouvindo os remasters em equipamento de confiança dá para dizer algo mais definitivo. Dito isso, o Allan Rouse [engenheiro responsável pelas remasterizações] parece ter feito basicamente duas coisas: mexeu no volume e nos graves e agudos", disse.
"Essa questão do volume se chama "limiting". É mais ou menos o seguinte: as partes mais altas da música continuam iguais. As mais baixas são aumentadas e se aproximam do volume das mais altas. Isso faz com que a música fique melhor para ser ouvida em ambientes abertos, como num shopping ou na balada, ou no rádio ou no carro. Mas, num bom equipamento, ela perde a dinâmica; fica sempre igual", diz Simões.
"A outra mudança foi acentuar um pouco os graves e os agudos. A questão aqui é outra; não é técnica. É de cânone."
Cânone é uma palavra mágica. Trata-se da discografia original, mas não desses 14 CDs remasterizados. É mais que físico; é um conceito.
O cânone dos Beatles passa pelos LPs de vinil mono produzidos nos anos 60. Se Lennon e McCartney fizeram o disco de um jeito, como um engenheiro pode vir acrescentar graves e agudos? Mexer no volume? Como podem querer "melhorar", entre aspas?
Mesmo que as diferenças sejam raramente percebidas, os audiófilos suam frio com essas liberdades. Simões, no entanto, diz que dificilmente distinguiria uma versão da outra sem tocá-las em seguida.
As peculiaridades e exigências sonoras dos beatlemaníacos, como se vê, são simples: voltar no tempo e congelar a vida nos anos 60.



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