São Paulo, sábado, 03 de setembro de 2011

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Frei Betto garimpa a alma mineira

Romance que levou 13 anos para ser escrito perpassa cinco séculos de história do Estado onde nasceu o escritor

Em tom satírico e linguagem barroca, 54ë livro do religioso revisa conceitos e figuras da historiografia oficial


FABIO VICTOR
DE SÃO PAULO

Mineiro de Belo Horizonte que vive há quase 50 anos distante da terra natal, Frei Betto enfim acertou as contas com as suas origens.
Dos 53 livros que já publicara, um, "Aquário Negro", tinha todos os contos ambientados em Minas Gerais.
Mas agora Carlos Alberto Libânio Christo, 67, mergulhou fundo em busca da alma mineira.
"Minas do Ouro", lançado pela Rocco, repassa 500 anos de história do Estado com ênfase do ciclo do ouro, que teve seu apogeu no século 18.
Descreve a saga da família Arienim ("mineira" de trás para frente) e é narrado por um de seus integrantes.
Os olhos do autor brilham quando ele fala no seu garimpo imaterial.
"É um retrato da alma do Estado que, durante dois séculos [17 e 18], concentrou a história do Brasil. É um mergulho nas minhas raízes, na minha mineirice, mas também na história do país", disse à Folha, num escritório do convento em que vive no bairro paulistano de Perdizes.
A feitura do romance histórico é em si uma pequena saga. Remonta aos anos 80, quando Frei Betto teve a ideia de um livro sobre a mina do Morro Velho, em Nova Lima, por anos tida como a maior e mais profunda do mundo.
Durante as pesquisas, orientadas por dois faróis -o pai, o jornalista Antônio Carlos Vieira Christo, de cuja biblioteca diz ter lido 120 livros sobre história mineira; e o historiador Tarquínio Barbosa de Oliveira, estudioso do tema-, ampliou o enfoque.
A redação, ou o "bordado", como ele define a fase de que mais gosta, começou em 97. Os 13 anos de trabalho numa obra (entregue à editora em 2010) são o recorde do autor, cujo livro mais conhecido, "Batismo de Sangue", levou oito anos para ficar pronto.
A linguagem, barroca e repleta de neologismos, como "desescritos" e "geografiava-se", por vezes recende a Guimarães Rosa, mas Frei Betto conta que sua influência maior vem dos "Sermões" do padre Antônio Vieira.
A sátira é outro traço da obra. Desfilam pelas páginas fidalgos grotescos, padres gananciosos, celebridades (entre tantos diamantes que Richard Burton deu a Liz Taylor, o maior deles foi, na versão fantasiosa do livro, garimpado em Minas).
Segundo o autor, a leitura do escritor britânico G.K. Chesterton ajudou, mas ele atribui a veia satírica ao pai, cronista de jornais mineiros.

CONJURAÇÃO
E, se história é revisão, Frei Betto conta a de Minas a seu modo, no qual a Inconfidência Mineira vira Conjuração ("inconfidente é quem não merece ou não guarda confiança; o termo é pejorativo, criado pela Coroa portuguesa para desmoralizar os conjurados, e adotado pelos livros didáticos") e figuras como Aleijadinho, Tiradentes e Fernão Dias são menos heroicas do que a historiografia oficial costuma contar.


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