|
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice
MÚSICA/CRÍTICA
Erasmo revisa sua obra quase esquecida
PEDRO ALEXANDRE SANCHES
DA REPORTAGEM LOCAL
A noite do sábado foi histórica para a música popular
brasileira. Os objetivos eram divulgar o CD "Pra Falar de Amor"
e gravar um DVD e um CD ao vivo, que devem sair em janeiro.
Mas ali, no DirecTV, Erasmo Carlos acabou promovendo a festa alguns meses atrasada de seus 60
anos e uma grande (e provavelmente inédita) retrospectiva de
quase 40 anos de estrada.
Aos 60 e responsável por metade do sucesso de seu parceiro Roberto Carlos, Erasmo parece hoje
um homem cansado e não demonstra nenhuma preocupação
em camuflar esse dado.
Não tenta encarnar o roqueiro
doidão, não pula no palco, não
dança, não busca reeditar a rebeldia ingênua do iê-iê-iê. Depois de
tomar um gole d'água entre uma
canção e outra, observa ironicamente o autor de "Cachaça Mecânica": "Os tempos mudam".
Mais que tudo isso, não simula
paixão pelo palco, porque na verdade já não a possui mais mesmo.
Deve ser por isso que recebe os
aplausos todos com melancolia,
sem a febre jovem do desejo de reconhecimento.
Os vários anos de afastamento
que viveu até este retorno de 2001
parecem, então, voluntários até
certo ponto. Erasmo está ciente
do papel que já desempenhou
nessa história épica, do rock ao
samba, da jovem guarda ao pop,
do soul à MPB, da parceria com
Roberto Carlos à solidão.
Não tem como esconder que o
alcance de sua voz diminuiu muito nos últimos anos, mas isso não
significa que ele não saiba que ela
é bem colocada, quase sempre afinada, segura por trás da aparente
insegurança do gentil grandalhão.
Retraído e generoso, desperdiçou
o grande intérprete que já foi e
que ninguém viu.
Soa anedótico -e uma platéia
lotada de ídolos depostos da jovem guarda colabora para essa
impressão- quando, no bis, tem
de simular a velocidade de outrora e cantar "Eu Sou Terrível" (67),
"É Proibido Fumar" (64), bibelôs
desse porte. É a parte do show que
cumpre de mais mau grado e
também a menos convincente.
Talvez autocrítico demais, apresenta poucas canções de seu novo
CD: "Seu Bicho de Estimação"
(aquela em que diz, para quem será?, que "não sou mais seu cão"),
"O Impossível" (com participação equivocada de Kiko Zambianchi) e a divertida "Quem Vai
Ficar no Gol?". Ah, e "Mais Um na
Multidão" (sem Marisa Monte).
Evita as mais confessionais entre as novas canções, como "Ela
Conversava com o Olhar" e "A
Família". Mas não se exime de citar a ex-mulher, Narinha, ao cantar "De Noite na Cama" (71), que,
conta, Caetano Veloso escreveu
para ele, do exílio, em Londres.
"De Noite na Cama", levada em
arranjo bastante próximo do original, abre o cenário para que
Erasmo faça a emocionante revisão de sua tão pouco conhecida
obra solo. É nesse bloco que canta, por exemplo, a emocionante
"Meu Mar" (72). Talvez o ponto
mais alto de todo o show, evidencia que sua melancolia musical
não é de hoje, mas sim traço forte
de sua compleição musical.
Pouco depois ataca a pretensamente ingênua "Análise Descontraída" (76), que ousa, no pós-11
de setembro de 2001, proclamar
que talvez este mundo "precise
urgentemente se acabar para começar de novo", ulalá. É evidente
o contraste com "Todos Estão
Surdos" (71), com que Roberto
Carlos vem aí. E Roberto e Erasmo se mantêm opostos complementares, tanto tempo depois.
Lembrando as pungentes -e
perdidas- "Cachaça Mecânica"
(74) e "Panorama Ecológico"
(78), Erasmo deixa só nas entrelinhas uma outra ambição sufocada que talvez em outro tempo fosse dele: o de ser um compositor da
verve de Chico Buarque. Ora, se
não há tantos erasmos de que "todo mundo se esqueceu", como
cantará Roberto...
E não são menos notáveis os
erasmos mais conhecidos, que se
derramam, amorosos, por sobre
as clássicas "Mesmo que Seja Eu"
(82) e "Sentado à Beira do Caminho" (70). Antes de cantar tenuemente que "preciso lembrar que
eu existo", explica, galhofeiro, que
adora ir aos seus próprios shows
para poder ouvir sua canção favorita. O prazer, naquele instante, é
dele para ele mesmo (sim, Erasmo ainda adora o palco), e o resto
são "detalhes tão pequenos". É
preciso saber ouvir.
Avaliação:
Texto Anterior: Da Rua - Fernando Bonassi: Fator de dois Próximo Texto: Mônica Bergamo Índice
|