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LIVROS
Crítica/"Violetas e Pavões"
Dalton Trevisan maravilha e horroriza em contos inéditos
Tipos do escritor se tornam menos freaks e mais "ordinários", nos dois sentidos
ALCIR PÉCORA
ESPECIAL PARA A FOLHA
Um novo livro de Dalton
Trevisan, mesmo pequeno, não é pouco.
Ainda atuando no terreno estreito da estilização do cafajeste à moda antiga, há sempre um
novo veio de perversão a exibir,
como num museu de cera, que
maravilha e horroriza ao mesmo tempo. As faces dos monstros, entretanto, são cada vez
mais de gente comum.
Nisto talvez resida uma mudança na produção recente de
Trevisan. Os seus tipos, aos
poucos, se tornam menos
freaks, mais ordinários, embora venha a calhar aí o duplo sentido do termo "ordinário": o
que é corrente, partilhado por
todos, mas também o que é reles, rebaixado, repulsivo até.
Em "Violetas e Pavões", a galeria de personagens se distribui por 22 textos mais ou menos curtos, os quais, por sua
vez, se deixam dividir em três
categorias bem definidas: cartas, depoimentos e casos. As
cartas são de amor; os depoimentos e casos são policiais.
Em todos há o flagrante de ilícito, seja penal, seja erótico.
As narrativas de casos são as
mais numerosas -metade dos
textos. Trata-se de glosas de lugares comuns do cotidiano das
classes média e baixa às voltas
com a marginalidade.
Como num inventário ilustrativo, são relatadas histórias
de assassinato do drogado da
família; ameaça de morte pelo
tráfico; estupro pelo vendedor;
assalto a ônibus; falsidade ideológica; mulher incendiada pelo
marido; roubo no dia do pagamento; incesto; voz de prisão
por uso de droga.
Só dois casos
não dizem respeito à criminalidade, mas ao tormento de mães
exploradas pelos filhos. A rigor,
os casos são menos eventos que
"ocorrências", tópicos de um livro de registros policiais.
O segundo tipo de texto acomoda certo procedimento experimental da prosa de Trevisan, que desconstrói as frases,
por vezes decepando-as ao mínimo significativo.
Nada há tão radical, mas são
empregadas frases curtas sem
pontuação, cada uma delas a
ocupar um parágrafo, como série de enunciados declaratórios. O efeito de depoimento de
suspeito em interrogatório é
imediato. Ressalta o aspecto
equívoco de tudo o que é dito,
de modo que tanto pode ser como se diz quanto o contrário,
por malandragem ou denegação.
A verdade "não adianta",
sempre escorregadia na cascata
da frase. Nem para o acusado,
que não prova sua inocência;
nem para o leitor, sem jeito de
conter alusões contraditórias.
Cartas
As cartas são o melhor do livro; todas escritas por mulheres ao "morzinho", "caríssimo
Senhor meu", "neguinho meu".
Magoam-se de que eles não saibam se aproveitar do pasto de
delícias que o seu corpo gostava
de lhes servir; anseiam para
que se livrem do vício da "perífrase" em torno da "gentil palavrinha porca".
A fantasia de vocabulário cru
e chulo vale para entender o livro todo. Ao reduzir a presença
dos vampiros anômalos da província diante da expansão dos
tipos banais de qualquer grande cidade, "Violetas e Pavões"
apresenta, como disse ao início,
uma variante na estilização de
Trevisan. A saber: o seu parnasianismo irônico vai perdendo
o gosto do retrô em favor do
pornô ("meigamente dedilho o
cuzinho em flor").
VIOLETAS E PAVÕES
Autor: Dalton Trevisan
Editora: Record
Quanto: R$ 32,90 (128 págs.; chega às
livrarias na próxima sexta-feira, dia 9)
Avaliação: ótimo
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