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LIVROS
Crítica/"Cidade de Quartzo"
Obra vê utopia e distopia do capitalismo em Los Angeles
Livro essencial toma cidade como lócus para a explosiva situação urbana
GUILHERME WISNIK
ESPECIAL PARA A FOLHA
Acaba de ser relançado
em português, pela editora Boitempo, o volume "Cidade de Quartzo: Escavando o Futuro em Los Angeles", do historiador marxista
norte-americano Mike Davis,
também autor de "Planeta Favela" (2006).
Escrito em 1990, o livro é
obra seminal para a economia
urbana, formulando de modo
pioneiro e original o quadro de
abrupta transformação das cidades no capitalismo tardio,
marcado pela escalada da exclusão social, pelo apartheid espacial e pelo aumento da violência. Características essas
que foram combatidas ou mascaradas por projetos de revitalização higienista que procuraram converter conflituosos
centros de cidades em lugares
pacificados pelo entretenimento e o consumo.
Premonitório, "Cidade de
Quartzo" toma a cidade de Los
Angeles como um privilegiado
lócus da explosiva situação urbana contemporânea. Cidade
desenraizada e formada originalmente por imigrantes vindos do Ocidente e do Oriente,
Los Angeles foi se tornando o
símbolo de uma urbanidade difusa, dominada por vias expressas, shopping centers, condomínios suburbanos de baixa
densidade e fortemente vigiados, e uma ausência quase total
de espaços públicos -tudo isso
como que quintessencializado
no poder de sua indústria cultural: Hollywood.
Análise ambivalente
Noutras palavras, a cidade
aparece como o lugar arquetípico da "subordinação passiva
das intelligentsias industrializadas ao programa do capital",
escreve Davis. Embora seja
também um solo fértil para o
surgimento de algumas das
mais agudas críticas à cultura
do capitalismo no século 20: a
literatura e o cinema noir.
Em síntese, na análise ambivalente de Mike Davis, Los Angeles desempenha "o duplo papel de utopia e de distopia para
o capitalismo avançado", daí o
seu interesse.
Dada a sua história turbulenta e singular, Los Angeles pode
ser vista como uma espécie de
câmera de decantação antecipada dos conflitos mundiais
atuais brotando dentro dos Estados Unidos.
Marcada por violentos conflitos raciais e sociais (como a
revolta de Watts, em 1965, e a
de 1992, que "Cidade de Quartzo" de certo modo previra; leia
mais ao lado), a cidade foi se
transformando no palco de
uma não nomeada "guerra fria
urbana", opondo brutalmente
as "células fortificadas" da sociedade afluente e os "lugares
de terror" em que a polícia
guerreia contra o pobre criminalizado: os guetos.
Paranoia urbana
Como mostra Davis, a crescente paranoia da segurança
urbana alimentou, ali, uma destruição programada dos seus
espaços públicos, fazendo coincidir a ascensão dos serviços de
segurança privada com a privatização de ruas, praças, parques
e praias, e a demolição de equipamentos públicos básicos, como banheiros. O que fez com
que a cidade fosse se caracterizando progressivamente como
um conjunto esparso de fortalezas vigiadas, separadas por
uma massa urbana amorfa que
se estende infinitamente pelo
território, consumindo-o.
Paradoxalmente, a cidade
que se afirmou como o sonho
da mobilidade individual (a
realização espacial da livre iniciativa) vive hoje o pesadelo do
encarceramento coletivo. E, o
que é pior, espalhando o seu
modelo pelo mundo.
GUILHERME WISNIK, crítico de arquitetura, é
autor de "Lucio Costa" (Cosac Naify) e "Estado
Crítico" (Publifolha)
CIDADE DE QUARTZO - 0
ESCAVANDO O FUTURO EM0
LOS ANGELES
Autor: Mike Davis
Tradução: Renato Aguiar e Marco
Rocha
Editora: Boitempo
Quanto: R$ 66 (432 págs.)
Avaliação: ótimo
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