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Palmirinha está mais pop do que nunca
Após o fim de seu programa diário na Gazeta, a cozinheira não para de receber convites para voltar à televisão
Tentando se aposentar há cerca de um mês, Palmira Onofre, 79, revela seus segredos culinários à Ilustrada
IVAN FINOTTI
DE SÃO PAULO
Como acontece com a madeleine de Marcel Proust,
quando Palmirinha prova
uma garfada da rabada feita
pela filha, ela fecha os olhos,
sente o gosto da comida da
mãe e se vê transportada à fazenda de sua infância.
Estamos nos anos 1930,
em um pequeno sítio próximo a Bauru, tão próximo que
hoje está encravado no meio
da cidade. Palmirinha tem
cinco anos de idade, nunca
viu um refrigerante antes,
mas entende tudo da horta
da família. O pai, Felipe
Nery, baiano dedicado, cuida de tudo, do feijão, do milho, da cebola, do tomate caqui, "aquele bem grandão",
das saladas todas, dos grãos
e dos temperos variados.
O Felipe também cuida da
criação de porcos, de galinhas e das duas vacas, que
dão leite suficiente para que
a mãe, Anna Zambulim, italiana bravíssima, faça o queijo e a manteiga consumidos
pela família.
Palmirinha é a terceira filha e lembra como se fosse
hoje que a única coisa que
eles compravam na cidade
era a farinha de trigo.
Aí a Anna fazia o pão no
forno de barro com um fermento muito bom, mas cuja
receita se perdeu nesses mais
de 70 anos.
BANHA
Aos cinco anos, a pequena
Palmira precisa subir no banquinho para mexer a colher
de pau nas panelas e não deixar a comida queimar no fogão a lenha. Hoje o Felipe
quer galinha ao molho pardo, então ele mesmo vai lá e
torce o pescoço do frango para que a Anna passe a faca e
recolha o sangue necessário
para o cozido.
Mas quando é preciso eliminar porco ou vaca, ele chama o matador. Enquanto o
especialista faz seu trabalho,
o Felipe cava um buraco no
quintal. Mas não é para enterrar o bicho.
A Anna derrete a banha no
fogo e enche algumas latas
de biscoito. Dentro de cada
lata, ela coloca partes do porco cru, o lombo, a costela, o
pernil. Tampam as latas, colocam no buraco e cobrem de
terra. E está pronta a "geladeira" rural dos anos 30.
A lata fica semanas debaixo da terra e, quando é aberta, a carne está tão fresca como se tivesse acabado de matar, não é mesmo, Palmirinha? "É sim, amiguinho. Como se tivesse acabado de matar o porquinho."
Mas a história que a Palmirinha mais gosta da fazenda
é a do Felipe Nery indo comprar farinha na cidade. Vai
ele na carroça e o cavalo Amparo puxando. Depois da
compra, o Felipe sempre toma umas pingas e acaba deitado na carroça, dormindo,
do lado de fora da venda.
E aí o Amparo assume uma
inteligência estilo da do burrinho pedrês, do Guimarães
Rosa, e volta certinho, desviando dos buracos, virando
à direita na bifurcação, à esquerda e à esquerda de novo.
Ao chegar na casa de madeira, lamparinas todas já
apagadas, o cavalo branco
ainda raspa o casco na porta
para avisar a Anna que o Felipe está lá, ronc, ronc, só esperando para ser colocado
na cama. Esse Amparo só faltava falar, amiguinho.
Pouco depois, aos seis ou
sete anos, Palmirinha mudou para a cidade, mas nada
muito longe, Bauru mesmo,
porque o Felipe cansou da roça e achou por bem abrir um
hotel, o hotel São Paulo.
A maior novidade era que
lá tinha geladeira mesmo, se
bem que não era elétrica nem
nada, era um caixote de madeira pintado de branco por
fora e com metal por dentro,
em que se colocava uma barra de gelo que durava dois
dias. Mas o Felipe recheava
um saco de estopa com pó de
serra, colocava a barra dentro e assim o gelo durava
quase uma semana.
O Felipe tinha uma ideia
muito própria sobre a educação da Palmirinha: não queria que ela estudasse porque
senão ela ia ficar escrevendo
cartas para namorado. Mas
quando uma francesa amiga
da família pediu para levar a
menina para São Paulo, porque ela precisava de uma dama de companhia, o Felipe
achou uma boa ideia.
E em São Paulo, início dos
anos 40, ela aprendeu muito:
a atender telefone, a andar
de bonde, a entrar na fila da
carne -racionada por causa
da guerra na Europa- e a fazer seu primeiro doce, pudim
de leite condensado.
O caso é que a Georgette
cozinhava pra burro e foi logo ensinando o forno e fogão,
como creme bechamel com
espinafre, ulalá.
E esse é o segredo da Palmira: comida italiana da
mamma, doces e molhos diretos de Paris e aquela simpatia de vovó do interior.
Uma mistura nada indigesta,
não é, amiguinho?
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