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LIVRO LANÇAMENTOS
Obra revela o outro lado das navegações
RICARDO BONALUME NETO
especial para a Folha
Se existe algo de positivo nas efemérides, é a eventual publicação
de livros sobre aquilo que se comemora -mesmo que o aniversário
em questão não seja do agrado de
alguns. É o caso dos 500 anos do
descobrimento do Brasil, efeméride-mor do ano 2000.
O atual e talvez pouco duradouro
interesse no tema das navegações
portuguesas já serviu, pelo menos,
para que os brasileiros tivessem
acesso a um clássico da língua que
falam.
A "História Trágico-Marítima",
organizada por Bernardo Gomes
de Brito, foi primeiro publicada no
século 18, mas trata de eventos
passados nos séculos 16 e 17. Agora
sai uma nova edição brasileira, por
Lacerda Editores/Contraponto.
Ler este livro significa entender
muito sobre Portugal e, portanto,
sobre os brasileiros.
O pequeno país na orla ocidental
da cristandade foi destinado a um
papel exagerado na história universal: iniciar a tal da globalização,
juntando cultural, social e economicamente os continentes do planeta.
Era, e continua sendo, um país
minúsculo, com uma população
idem. Onde conseguiu-se a energia
para descobrir o resto do mundo é
um tema que historiadores continuam debatendo.
Meio milênio depois de Vasco da
Gama inaugurar a rota marítima
para o Oriente, sua viagem transformou-se em um misto de saudosismo com triunfalismo. Escolas,
hospitais, pontes, em Portugal, e
até um time de futebol, no Brasil,
levam seu nome.
A "História Trágico-Marítima"
costuma ser descrita como o lado
podre das grandes navegações -
"a face oxidada do dourado medalhão da descoberta e da conquista", nas palavras de José Saramago,
certamente o escritor português
mais conhecido no Brasil, que comentou este livro em 1971.
O livro é principalmente uma sequência de relatos de naufrágios de
navios portugueses, notadamente
das ricas naus da "carreira da Índia" -a rota de comércio descoberta por Vasco da Gama que levava à Índia, à China, ao Japão.
Por que naufragavam tantos navios? A razão que o livro aponta é
uma básica: a cobiça. Sobrecarregadas, as naus afundavam com facilidade. Também eram de construção apressada, levavam pouca
gente hábil e um excesso de passageiros.
Essa incapacidade de Portugal de
manter uma navegação eficiente
para a Ásia foi um dos principais
motivos da decadência do império
marítimo que o país construiu na
região.
As estatísticas mostram que, de
1497 a 1653, as perdas atingiram
19,08% dos navios que partiram de
Portugal na carreira da Índia. No
final do século 16, o problema ficou muito grave: dos 55 navios que
partiram de 1590 a 1599, 43,64% se
perderam.
Segundo Saramago, nos "Lusíadas", epopéia oficializada de uma
nação largada na aventura do mar
desconhecido, a morte é cenográfica, adorna-se de um fundo de
deuses complacentes e risonhos,
violentos só por necessidade de clímax.
Tudo se passa como se já a pátria
ali estivesse presente, abençoando
todos heróis e os mártires, desenhando-lhes em maneirismo os
gestos, levantando-lhes estátuas
para a reverência da posteridade.
Na "História Trágico-Marítima"
morre-se em todas as páginas, todos os dias, como se morre na
"Ilíada".
Ao ler este livro, fica mais fácil
entender por que uma música triste como o fado é o símbolo de Portugal.
Livro: História Trágico-Marítima
Organização: Bernardo Gomes de Brito,
com apresentação de Ana Miranda e
introdução e notas por Alexei Bueno
Lançamento: Lacerda Editores/
Contraponto
Quanto: R$ 40 (546 págs.)
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