|
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice
CRÍTICA
Mundo e submundo se enfrentam na conclusão da trilogia
da Reportagem Local
Mundo e submundo estão cara
a cara em "A Vida É Doce", o primeiro disco independente de Lobão, que há muito uivava e uivava
contra o sistema, sem nunca encontrar alternativa real a ele.
Terá, para o artista e para a falida família musical brasileira, infinito significado político. Seja ou
não bem-sucedido, expressa desde já uma vitória inédita, o sopro
de um novo tempo.
Se antes ele exalava espírito underground sem se desatrelar das
gravadoras nem do espaço que
sua fama e sua verborragia lhe
proporcionavam, agora tudo se
inverte. Pela primeira vez outsider de fato, usa as benesses de
parte do mesmo sistema para impingir sua pequena guerrilha.
Isso há muito acontecia, e os
próximos movimentos devem ser
observados com atenção. Lobão
mais MP3 podem ser o azeite que
vai descarrilhar o trenzão -ou
não. Mas nada disso é música.
"A Vida É Doce" é música, e aí a
guerrilha é pessoal. Lobão não
consegue se perder de ser renitente, repetitivo. Seu décimo álbum é
todo centrado num agrupamento
já bem conhecido de temas
-barras pesadas, desterro, morte, otimismo, amor-, e Lobão
evolui não evoluindo.
O amanhecer se anuncia após a
"Noite", mas ainda não chega
("não vai mais amanhecer", proclama a pesadíssima "Tão Menina"). O sujeito teimoso percebe o
dia, mas ainda de costas.
O conjunto, embora tematicamente obsessivo -no mesmo
sentido vai a busca por contemporaneidade, agora via o trip hop
de "Universo Paralelo"-, é corpulento, e isso nada tem a ver com
guerrilha cultural ou comas alcoólicos (afinal constantes em sua
história e insuficientes para decidir um disco, um momento).
A pressão que Lobão diz sentir é
de fato sua mola, repercute em
música, no uso sofisticado, embora artesanal -outra vitória- de
conceitos em embate, como contemporaneidade e espírito retrô,
MPB e música importada.
O principal ganho? É que de todo esse turbilhão resulta, pela primeira vez, num disco plácido, em
que violência não remete à agressividade, à revolta, a impulsos
adolescentes. O hino, aí, é "Pra
Onde Você Vai", encontro definitivo de Lobão com a delicadeza.
É assim também, em escala menor, "Uma Delicada Forma de
Calor", briga íntima do artista
com seu maior sucesso, "Me Chama" (84). O que era "chove lá fora
e aqui faz tanto frio" se transforma em "agora, num dia em que
eu choro, eu tô chovendo muito
mais que lá fora" -mansa tormenta, que atravessa também
"Mais Uma Vez", "Ipanema no
Ar", "Tão Perto Tão Longe"...
É em momentos assim -intercalados com a tensão constante e
rechonchuda de temas como "El
Desdichado 2", "Tão Menina" e
"A Vida É Doce"- que Lobão coteja um paralelo com um possível
ídolo, Lou Reed, sem querer ou
querendo presença cíclica no CD.
Fosse assim, "A Vida É Doce"
seria Lobão buscando seu "velvet
underground", seu submundo de
veludo, plantado nas barbas do
sistema -e povoado, ele não está
mentindo, por Maysas e Dolores,
espíritos de um (sub)mundo
muito morto e muito vivo.
Constitui obra conturbada, de
um homem com uma proposta. A
guerrilha social e a pessoal se justapõem, há muito ainda por
acontecer. Seus contemporâneos
vão de "Que País É Este" e "Aluga-se", mas Lobão parece bem
mais jovem.
(PAS)
Avaliação:
Disco: A Vida É Doce
Artista: Lobão
Lançamento: Universo Paralelo/MID
(25 de novembro nas bancas)
Quanto: R$ 14,90
Texto Anterior: "Eu estava com muito medo, com pânico desse disco" Próximo Texto: Joyce Pascowitch Índice
|