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LITERATURA
Michel Houellebecq estará amanhã no Brasil para discutir o que sobrou da cultura francesa
Último maldito francês vem ao país
JUREMIR MACHADO DA SILVA
especial para a Folha
Inclassificável, irreverente e
surpreendente nas suas posições
intelectuais e políticas, Michel
Houellebecq, que estará amanhã
no Brasil para um evento na Folha (leia texto à esq.), é um"serial
killer" da cultura em luta contra
os dogmas da narrativa literária
do século 20 e contra as utopias
pseudolibertárias que geraram o
narcisismo do final do século.
Sempre disposto a combater o
política, estética, intelectual e culturalmente correto, prefere Auguste Comte a Karl Marx e o século 19 ao 20. Com ele, nunca se sabe
onde termina a provocação e começa a desmitificação.
Defensor do amor contra o egocentrismo e de valores contra a indiferença contemporânea, vê nas
utopias de maio de 68 o detonador de um efeito perverso: o neoliberalismo comportamental dominante neste final de milênio.
Em todo caso, Houellebecq não
encontra a solução para isso nos
clássicos projetos das esquerdas
partidarizadas e sempre sectárias.
Na entrevista que segue, Houellebecq abre o jogo e mostra as
suas escolhas, dúvidas e mesmo o
desconhecimento de certos temas, entre os quais o do imenso
universo brasileiro, abordado de
forma transversal e irônica em
"Partículas Elementares", livro
que o consagrou (lançado no Brasil pela editora Sulina) no mundo
inteiro. Para quem pensava que a
grande linhagem dos escritores
malditos franceses estava esgotada, Michel Houellebecq e o seu
"Partículas Elementares" representam o inesperado.
Folha - Afirma-se, com frequência, que a literatura francesa está em crise. O seu livro,
"Partículas Elementares", com a
polêmica que provocou e o com
o sucesso de público, demonstra o contrário. O senhor considera-se o "papa" de uma "escola da lucidez" e também o renovador da ficção do seu país?
Michel Houellebecq - Ninguém pode autoproclamar-se papa ou líder de nada; são sempre os
outros que decidem sobre isso.
De fato, constato que muitos jovens escritores franceses de hoje
se sentem próximos de mim ou,
até mesmo, declaram-se influenciados pelo que escrevo.
Já a impressão de declínio da literatura francesa no estrangeiro
vem do fato que depois do novo
romance, há 40 anos, nada mais
em literatura conseguiu ultrapassar as nossas fronteiras. Ora, o novo romance é chato, sem perspectiva de permanência, nascido
morto. Mas não exerceu qualquer
influência sobre os autores franceses contemporâneos.
Folha - "Partículas Elementares" é um livro extraordinário
pela sua capacidade de derrubar mitos, especialmente os de
maio de 68. Como o senhor reage, em função disso, quando o
acusam de ser reacionário?
Houellebecq - No plano político, já me situei, explicitamente,
várias vezes, na esteira de Auguste
Comte. Não o Comte vulgarizado
pelo positivismo primário, mas o
que sobressai de uma leitura profunda da sua obra. Sem entrar
muito, por agora, nos detalhes, a
divisa comtiana "Ordem e Progresso" permite, já de início, entender porque rejeito, com energia, posicionar-me com base na
oposição progressistas/reacionários ou esquerda/direita, à qual se
resume o debate na França. Creio
ser possível pensar foram dessa
redução. Infelizmente Auguste
Comte está esquecido em seu
próprio país e foi, quase sempre,
interpretado de forma inadequada. Ele é desconhecido do grande
público, muito pouco estudado
nas universidades e os seus principais livros tornaram-se quase
impossíveis de encontrar. Não seria exagerado afirmar que sou o
único escritor francês que o leu
realmente. Em consequência, até
agora, não fui compreendido.
Talvez no Brasil, em função da
sua história, a situação seja diferente. Com efeito, o Brasil representa certamente a última chance
de conseguir explicar as minhas
posições filosóficas e políticas.
Folha - Numa passagem de
"Partículas Elementares", há
uma sátira impiedosa ao Brasil.
O senhor conhece a literatura
brasileira e que valor tem de fato o Brasil na sua vida?
Houellebecq - Com razão ou
não, os brasileiros parecem aos
franceses as criaturas mais eróticas do planeta. Por causa disso, o
Brasil goza na França de um extraordinário prestígio, sempre em
voga. Enquanto isso, tudo o que,
de resto, adivinha-se ou percebe-se, como a violência, a corrupção
e a miséria, por serem desagradáveis, restam encobertos. Mais do
que uma sátira ao Brasil, a passagem citada cumpre o papel de sátira da condição do macho ocidental, sempre pronto a aceitar
seja o que for para atiçar ligeiramente a sua fibra erótica languescente. Afora esses poucos clichês,
partilhados pela maioria dos
meus compatriotas, nada sei do
Brasil nem da sua literatura.
Folha - Os seus personagens
masculinos de "Partículas Elementares" são duplos um do
outro ou, de acordo com a linguagem atual, clones. Ambos
desfavorecidos pela sorte. O livro representa uma crítica deste
final de século decadente em
que as pessoas não têm mais
identidade clara nem referenciais válidos?
Houellebecq - Com certeza.
Sem religião, sem moral, a vida
tornou-se impossível, insuportável para o homem. As mulheres,
ao menos até agora, possuem o
amor, o que as salva. Mas os homens, no estado atual da nossa civilização, não passam de condenados, de excomungados.
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