São Paulo, quarta-feira, 03 de novembro de 2004

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"APENAS UM BEIJO"

Loach se cerca de clichês e bons atores

LEONARDO CRUZ
DA REDAÇÃO

O melhor momento de "Apenas um Beijo" surge logo no início deste filme de Ken Loach. Um a um, moradores de Glasgow levam seus cachorros para urinar na placa do mercadinho de Tariq, imigrante paquistanês radicado na capital escocesa.
A seqüência se completa com a engenhosa reação de Tariq, uma pequena vingança, que sintetiza os ânimos acirrados e o preconceito entre "britânicos puros" e "pakis", como são pejorativamente chamados os imigrantes indianos, paquistaneses e bengalis radicados no Reino Unido.
Essa tensão social não se resume a Glasgow nem é fenômeno recente. Nos anos 60, o governo britânico estimulou a imigração de suas ex-colônias para suprir a falta de mão-de-obra no país, principalmente para a indústria pesada.
Famílias inteiras aproveitaram a flexibilidade das leis de imigração e estabeleceram suas comunidades pelo Reino Unido. A falência de parte dessa indústria nos anos 70 e 80 e o fim do emprego abundante estimularam o ódio racial.
À primeira vista, o britânico Loach seria perfeito para retratar esse cenário, pois alguns de seus filmes mais contundentes abordam justamente as fraturas da sociedade contemporânea -casos de "Ladybird, Ladybird" (1994) e "Meu Nome É Joe" (1998).
Mas Loach optou por contar uma história de amor e terminou com uma obra menor. A trama de "Apenas um Beijo" parece seguir uma formulinha. Primeira meia hora: apresenta-se o conflito social e os protagonistas da trama. Segunda meia hora: os protagonistas se conhecem e se apaixonam. Hora final: a intolerância social tenta impedir o romance.
Casim (Atta Yaqub) é candidato a DJ e filho do tradicionalista Tariq, que quer ver o jovem casado com uma prima também paquistanesa. Roisin (Eva Birthistle) é uma irlandesa que leciona música em uma escola católica conservadora. A paixão dos dois, quase imediata, não é vista com bons olhos pela família do rapaz nem pelos patrões da moça.
O resultado é um filme previsível, com mais clichês do que se espera de Loach. Exemplo: a família de Casim. Além do pai tradicionalista, há a mãe, figura terna e passiva. E duas irmãs: a mais jovem, "prafrentex", que quer estudar fora de Glasgow; e a mais velha, conservadora, que se rende ao casamento arranjado pelo pai.
Ainda assim, "Apenas um Beijo" é um filme agradável, fácil de ver. E isso se deve em boa parte à habilidade de Loach na direção de atores. Atta Yaqub e Eva Birthistle estão seguros em cena. Sem afetação, prendem o espectador.
E os protagonistas ajudam. Se, para os demais personagens o roteiro de Paul Laverty é muito simplista, Casim e Roisin são cheios de nuance, colocando sempre em questão seus valores e o próprio amor que sentem um pelo outro.


Apenas um Beijo
Ae Fond Kiss
  
Direção: Ken Loach
Produção: Inglaterra/Bélgica/Itália/Espanha/Alemanha, 2003
Quando: hoje, às 18h20, na Sala UOL



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