São Paulo, quinta-feira, 03 de novembro de 2011

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CRÍTICA DRAMA

Denise Del Vecchio brilha em discussão sobre limite do real

LUIZ FERNANDO RAMOS
CRÍTICO DA FOLHA

A arte sutil do delator. "Circuito Ordinário", peça de Jean-Claude Carrière encenada por Otávio Martins, explora a possibilidade de transformar a odiosa prática da delação num refinado jogo estético.
Carrière realiza neste texto de 2002 um drama à altura de seus melhores roteiros de cinema, boa parte dos quais filmados pelo espanhol Luis Buñuel (1900-1983).
A situação proposta é simples: em um Estado de vigilância absoluta sobre os cidadãos, uma delatora contumaz é chamada a esclarecer algumas cartas escritas contra ela. As sugestões de que o contexto da história seja o de um regime totalitário parecido com o do stalinismo da União Soviética são superficiais.
De fato, funcionam como pretexto para o mais importante: o desenho de uma curva dramática surpreendente, digna de um mestre da narrativa, que realiza um virtuoso exercício de relativização da ideia de verdade. A direção de Martins acrescenta novas camadas ao texto já pleno de ambiguidades, mas enfraquece sua força poética. Imagens do período da ditadura militar brasileira e alusões aos reality shows tentam localizar o que ficaria melhor não situado, até para evitar o risco de datação.
A cenografia de Mira Andrade, que pretende materializar uma central de vigilância com tecnologia avançada, acrescenta pouco à tensão dramática já estabelecida pela trama em si. De fato, os circuitos internos de TV utilizados parecem tão gratuitos quanto as variações de cor no fundo da cena pontuando alguns momentos.
O maior trunfo da encenação é Denise Del Vecchio, excelente como a simplória delatora que vai se revelando astuta estrategista. A atriz compõe um tipo cativante que, com fala mansa e gestualidade expressiva, domina a cena, mesmo quando a direção a leva a posturas caricatas.
Henrique Benjamin, como o tenaz inquiridor, colabora no conjunto, mas não alcança o brilho da parceira. "Circuito" é um espetáculo cujo texto é primoroso e que oferece a uma atriz no auge da maturidade espaço para uma interpretação notável.
Vale por essas características e por colocar em discussão os tênues limites da realidade, principalmente quando confrontados com a capacidade humana de fabular.

CIRCUITO ORDINÁRIO
QUANDO sex. e sáb., às 21h; e dom., às 19h; até 4/12
ONDE teatro Eva Herz (av. Paulista, 2.073, tel. 0/xx/11/3170-4059)
QUANTO R$ 40 (sex.) e R$ 50
CLASSIFICAÇÃO 14 anos


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