São Paulo, terça-feira, 03 de dezembro de 2002

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MÚSICA

Mercado Cultural abarca, além de shows, espetáculos de dança, teatro, mostras de artes visuais, filmes e palestras

Salvador se torna "Meca independente"

ISRAEL DO VALE
FREE-LANCE PARA A FOLHA

O duplo nó que amarra a produção artística independente tenta mais uma vez ser desatado a partir de hoje, com a quarta edição do Mercado Cultural, em Salvador.
É, atualmente, no país, o esforço mais articulado para reverter a dificuldade de circulação de idéias novas e/ou atípicas, à margem da lógica do "atacadão" de filões musicais consagrada pela indústria cultural.
O evento põe em questão os velhos dilemas de como fazer um artista ser conhecido (o que envolve a discussão do acesso à mídia, especialmente a eletrônica, de concessão pública) e de como permitir que seu trabalho seja adquirido com facilidade (leia-se distribuição ágil e abrangente), sem que os interesses mercadológicos atropelem os artísticos.
Ainda que a ênfase esteja na música, o Mercado Cultural agrega também, no varejo, espetáculos de dança, teatro, mostras de artes visuais, ciclo de filmes, workshops e palestras. Até domingo, cerca de 1.500 artistas revezam-se por 22 espaços soteropolitanos, em cerca de 90 shows, além de exposições, montagens de artes cênicas e feira de artes com 80 estandes de instituições privadas e governamentais.
Criadores de 15 países e de nove Estados brasileiros mostram o lado B da produção cultural, de tom "autoral", como qualifica Ruy Cezar Silva, diretor do Instituto Cultural Casa Via Magia, organizador do evento. "Buscamos artistas que tenham uma trajetória de pesquisa de linguagem, não fenômenos passageiros."
São nomes como a septuagenária colombiana Petrona Martínez (dona de um trabalho de forte acento afro), o grupo cubano-libanês Hanine y Son Cubano (intérprete de canto árabe acompanhada por um combo de ritmos latinos) ou a congolesa radicada na França Yondo Sister. São trabalhos de inclinação étnica ou regional, mas não só. Representantes do pop nacional ilustram bem o tom: Mundo Livre S/A, Berimbrown, Pedro Luis e a Parede, Marcos Suzano, Lampirônicos.
Não há nomes de lotar estádios. A investida é a de desmontar a noção de que sucesso (normalmente associado a quantidade e/ou valor de venda) é sinal de qualidade.
Nem por isso os números são inexpressivos. No ano passado, segundo a organização, 60 mil pessoas acompanharam a cada dia as atrações de rua pulverizadas por cinco pontos do Pelourinho. Outras 30 mil ocuparam lugares nos dez espaços fechados.
Estima-se que a Feira de Artes de 2001 tenha movimentado R$ 3,5 mi -hoje, quase US$ 1 mi. No total, o evento deve fazer circular neste ano (entre os gastos com infra-estrutura, mídia, comércio e serviços) R$ 17,5 mi, contra R$ 13,5 mi no ano passado.
Artistas, produtores culturais, empresários e diretores de festivais da América Latina, Europa, EUA, África e Oriente Médio vêm ao Brasil para exibir seus trabalhos e projetos e conhecer uma parcela da atual produção artística local de circulação restrita.
A aposta é que, idealmente, o contato entre agentes culturais de regiões e países diferentes gere troca de informações e bons negócios. "Não é coisa de Cinderela, um passaporte automático para a sorte e a felicidade, mas uma forma de estabelecer contatos e, quem sabe, abrir um campo de atuação maior para o artista", diz Benjamim Taubkin, co-proprietário, com Teco Cardoso, do selo Núcleo Contemporâneo e curador da porção musical do evento, que ocupa 70% da programação.
Pelo resultado prático mensurado em edições anteriores vê-se que a resposta vem surtindo efeito. Artistas que estiveram na edição mais recente, como a cantora Monica Salmaso e a Banda de Pífanos de Bendegó (grupo familiar do sertão da Bahia que reúne pai, filho e casal de avós) fizeram neste ano suas primeiras turnês pelo exterior. O próprio Taubkin colhe agora o que plantou na edição anterior. Um dos atrativos de sua gravadora é o novo disco do argentino Carlos Aguirre, cartão de visitas de uma coleção de artistas latinos que pretende lançar no Brasil.
A ambição maior, porém, é a de pavimentar o caminho inverso. Levantamento da Associação Brasileira da Música Independente (ABMI) dá conta de que as gravadoras indies já lançam mais artistas nacionais que as majors. Apenas a ABMI congrega cerca de 80 selos. Por falta de visão empresarial, de recursos mínimos para investir ou de contatos, pouco disso circula fora do país.


O jornalista Israel do Vale viaja a convite da organização do evento


4º MERCADO CULTURAL DA BAHIA. Onde: 22 espaços em Salvador (programação em www.viamagia. com.br). Quando: de hoje a domingo, com atividades a partir das 10h. Quanto: grátis (eventos de rua) ou R$ 100 (toda a programação).


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