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MÚSICA
Jamaicano Linton Kwesi Johnson, conhecido pela luta contra o racismo, tem lançado no Brasil disco comemorativo
Poeta do reggae celebra carreira de ativismo
SHIN OLIVA SUZUKI
DA REDAÇÃO
Quando se trata de Linton Kwesi Johnson, não se sabe o que vem
primeiro, reggae ou poesia. Mas
quando se sabe que esse jamaicano radicado na Inglaterra é considerado uma das mais importantes vozes negras em seu país de
adoção, a resposta vem do outro
vértice de sua obra: ativismo.
Desde a coletânea de poemas
"Voices of the Living and Dead",
lançada em 1974, Kwesi Johnson,
52, tem sido chamado de profeta,
visionário e ícone. Seu trabalho
vem traduzindo retratos de injustiça social e constrangimentos
que imigrantes negros e seus descendentes são submetidos. Também vem enaltecendo a cultura
jamaicana, sendo Kwesi Johnson
um dos principais expoentes do
"patois", palavra que designa o
inglês falado nas ilhas caribenhas,
mas que ele rejeita em favor do
termo "jamaicano". Exemplos
são títulos de canções como
"Mekkin Histri" ("Making History", fazendo história) e "Fite
Dem Back" ("Fight Them Back",
contra-ataque).
O reconhecimento de sua obra
chegou até a tradicionalíssima
editora britânica Penguin Books,
onde Kwesi Johnson é, hoje, o
único poeta vivo incluído na seção "clássicos modernos". Por
aqui, a referência é a participação
no disco "Severino" (1994), dos
Paralamas do Sucesso, em que faz
dueto com Tom Zé na faixa "Navegar Impreciso".
Sua influência sobre o reggae
mundial, aliás, foi celebrada com
o álbum "Live in Paris with the
Dennis Bowell Dub Band", que
chega agora ao Brasil e foi gravado no ano passado para marcar os
25 anos de sua entrada no gênero
com o disco "Dread Beat an"
Blood" (1978). É uma amostra da
"poesia dub" tornada conhecida
por Kwesi Johnson, em que a parte lírica, mais falada do que cantada, se sobrepõe à música.
Com jeito sereno de conversar
que contrasta com duas décadas e
meia de enérgico ativismo de um
ex-Pantera Negra nos anos 70,
Kwesi Johnson, em entrevista à
Folha, prefere ser modesto ao reconhecer o alcance de sua obra
entre movimento negros e artistas
de reggae: "Acho sem sentido essa
história de ser profeta, visionário
ou qualquer coisa do tipo. Mas
humildemente eu me orgulho de
saber que a minha mensagem tem
alcançado tantas pessoas. No começo, eu tentava apenas articular
as experiências da minha geração
e colocá-las dentro de um discurso poético. Não percebia que teria
um grande impacto".
A luta contra o preconceito racial avançou, diz o jamaicano.
Mas, calejado, prefere ser comedido ao observar as conquistas.
Kwesi Johnson já foi alvo de violência física pela polícia no passado e se deparou com uma experiência mais dolorosa sete anos
atrás, quando seu sobrinho foi
morto em circunstâncias misteriosas em uma estação de trem
londrina, que o levou a protestar
contra a morosidade da Justiça
para solucionar o caso.
"Muitos dos temas que nós confrontamos no passado ainda estão
por aí. Recentemente um relatório do governo britânico concluiu
que a polícia é institucionalmente
racista. Fizemos progressos, mas
a batalha por igualdade racial e
justiça social é uma luta ainda em
prosseguimento", diz.
Mesmo com muitas questões
pendentes, Kwesi Johnson diz
que o radicalismo não pode ser
usado como arma pelos movimentos negros: "Para mim, é besteira a idéia de querer dividir a sociedade entre brancos e negros.
Eu não acredito no separatismo
negro, que joga da mesma maneira de grupos de extrema-direita
como a Ku Klux Klan".
O cantor e poeta, surpreendentemente, encontra mais otimismo
para falar do cenário pós-reeleição de George W. Bush e a escalada do conservadorismo: "Eu acho
que nós temos tempos excitantes
pela frente, porque as mudanças
que têm tomado lugar no mundo
são muito profundas. Reinados se
erguem, reinados são derrubados. Não vai durar para sempre".
É o que move Kwesi Johnson,
que, em suas décadas de ativismo,
já experimentou, sim, momentos
em que o desânimo bate mais forte: "Às vezes vem a desilusão, mas
ela não fica por muito tempo. Nós
sabemos que não podemos ter o
luxo de nos desiludirmos".
LIVE IN PARIS WITH THE DENNIS
BOWELL DUB BAND. Artista: Linton
Kwesi Johnson. Gravadora: BMG.
Quanto: R$ 35, em média.
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