São Paulo, sábado, 03 de dezembro de 2005

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CRÍTICA

Com humor negro, autor vence nova guerra contra a estupidez

JOCA REINERS TERRON
ESPECIAL PARA A FOLHA

Por felicidade, ainda não inventaram antiácido para o humor negro, esse espelho ideal em que, ao rirmos de nós mesmos, refletimos toda a humanidade e vice-versa. Graças a tal lapso da indústria farmacêutica, escritores têm há muito tempo rido de si próprios em seus textos e permitido à sempre escassa fila de leitores que suportam tal atividade auto-depreciativa algum alívio reflexivo. Chuck Palahniuk é um dos mais recentes paladinos dessa secular guerra contra a estupidez por meio da gargalhada, e "No Sufoco", seu quarto romance, é mais uma batalha vencida. Mas há controvérsias, pois é certo que no nebuloso plano onde o humor opera, de alguma forma derrota e vitória se confundem.
Controvérsia é o xis da questão quando se trata de Palahniuk, americano nascido no Estado de Washington. Contemporâneo e conterrâneo de Bret Easton Ellis (outro autor "perseguido" pela opinião popular nos EUA), o autor ficou mais conhecido depois que David Fincher adaptou "Clube da Luta" para o cinema. Porém foi com este "No Sufoco" que Palahniuk galgou as listas dos mais vendidos pela primeira vez.
O título se refere à maneira como o protagonista Victor Mancini ganha o pão, simulando engasgadas fatais em restaurantes por diversas vezes todas as noites, tudo para auxiliar no pagamento da clínica onde sua mãe está internada, vítima de Alzheimer. Uma excêntrica ativista política no passado, Ida Mancini está mergulhada no esquecimento e à beira da morte por inanição, pois considera ter sido abandonada por seu filho, a quem não reconhece mais, confundindo-o nas visitas com Fred Hastings, o advogado que a defendera em ocasiões passadas.
Trágico, não fosse cômico, Palahniuk alinhava ainda mais estranhezas: durante os dias Victor alterna o trabalho como figurante num parque temático colonial (ao lado de ex-hippies adeptos de drogas) com sessões de tratamento de sua dependência em sexo. As digressões de Victor sobre sua aguda "sexolatria" e os atentados nonsense praticados pela mãe ao seu lado quando criança (ela o seqüestrava da casa dos pais adotivos para ensiná-lo a respeito de sua "filosofia" sui generis) são responsáveis pelas passagens mais hilárias do romance, todo ele um convite a rir dos absurdos da vida.
Os livros de Palahniuk evidenciam a insuficiência do adjetivo "bizarro" (tão utilizado hoje em dia) para abarcar o volume crescente de acontecimentos incompreensíveis do mundo contemporâneo. Herdeiro direto das sátiras à sociedade promovidas por Swift (talvez o primeiro autor a utilizar a expressão "humor negro") e com uma estrutura narrativa baseada em repetições ("coros", de acordo com Palahniuk), seu humor não aspira somente à gargalhada, mas a fazer pensar. Como um filtro de inteligência, desde a mais simplória piada, o humor tem sempre esta propriedade de reter os idiotas e desopilar através do riso. Experimente.


Joca Reiners Terron é autor de "Hotel Hell" (ed. Livros do Mal), entre outros

No Sufoco
   
Autor: Chuck Palahniuk
Editora: Rocco
Quanto: R$ 37 (264 págs.)


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