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CRÍTICA
Com humor negro, autor vence nova guerra contra a estupidez
JOCA REINERS TERRON
ESPECIAL PARA A FOLHA
Por felicidade, ainda não inventaram antiácido para o
humor negro, esse espelho ideal
em que, ao rirmos de nós mesmos, refletimos toda a humanidade e vice-versa. Graças a tal lapso
da indústria farmacêutica, escritores têm há muito tempo rido de
si próprios em seus textos e permitido à sempre escassa fila de leitores que suportam tal atividade
auto-depreciativa algum alívio reflexivo. Chuck Palahniuk é um
dos mais recentes paladinos dessa
secular guerra contra a estupidez
por meio da gargalhada, e "No
Sufoco", seu quarto romance, é
mais uma batalha vencida. Mas
há controvérsias, pois é certo que
no nebuloso plano onde o humor
opera, de alguma forma derrota e
vitória se confundem.
Controvérsia é o xis da questão
quando se trata de Palahniuk,
americano nascido no Estado de
Washington. Contemporâneo e
conterrâneo de Bret Easton Ellis
(outro autor "perseguido" pela
opinião popular nos EUA), o autor ficou mais conhecido depois
que David Fincher adaptou "Clube da Luta" para o cinema. Porém
foi com este "No Sufoco" que Palahniuk galgou as listas dos mais
vendidos pela primeira vez.
O título se refere à maneira como o protagonista Victor Mancini ganha o pão, simulando engasgadas fatais em restaurantes por
diversas vezes todas as noites, tudo para auxiliar no pagamento da
clínica onde sua mãe está internada, vítima de Alzheimer. Uma excêntrica ativista política no passado, Ida Mancini está mergulhada
no esquecimento e à beira da
morte por inanição, pois considera ter sido abandonada por seu filho, a quem não reconhece mais,
confundindo-o nas visitas com
Fred Hastings, o advogado que a
defendera em ocasiões passadas.
Trágico, não fosse cômico, Palahniuk alinhava ainda mais estranhezas: durante os dias Victor
alterna o trabalho como figurante
num parque temático colonial (ao
lado de ex-hippies adeptos de
drogas) com sessões de tratamento de sua dependência em sexo.
As digressões de Victor sobre sua
aguda "sexolatria" e os atentados
nonsense praticados pela mãe ao
seu lado quando criança (ela o seqüestrava da casa dos pais adotivos para ensiná-lo a respeito de
sua "filosofia" sui generis) são responsáveis pelas passagens mais
hilárias do romance, todo ele um
convite a rir dos absurdos da vida.
Os livros de Palahniuk evidenciam a insuficiência do adjetivo
"bizarro" (tão utilizado hoje em
dia) para abarcar o volume crescente de acontecimentos incompreensíveis do mundo contemporâneo. Herdeiro direto das sátiras
à sociedade promovidas por Swift
(talvez o primeiro autor a utilizar
a expressão "humor negro") e
com uma estrutura narrativa baseada em repetições ("coros", de
acordo com Palahniuk), seu humor não aspira somente à gargalhada, mas a fazer pensar. Como
um filtro de inteligência, desde a
mais simplória piada, o humor
tem sempre esta propriedade de
reter os idiotas e desopilar através
do riso. Experimente.
Joca Reiners Terron é autor de "Hotel
Hell" (ed. Livros do Mal), entre outros
No Sufoco
Autor: Chuck Palahniuk
Editora: Rocco
Quanto: R$ 37 (264 págs.)
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