São Paulo, domingo, 03 de dezembro de 2006

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Pingüim questiona a TV politicamente correta

Pingu, da Cultura, retrata criança normal e não as certinhas de muitos infantis

Animação suíça, que engrossa a mania de pingüins, é vista por mais de um bilhão em 155 países e faz sucesso em DVD

Divulgação
Personagem Pingu, do desenho criado em 1986


LAURA MATTOS
DA REPORTAGEM LOCAL

Mano, astro do fenômeno de bilheteria "Happy Feet", não dá para negar, é "o" pingüim-celebridade do momento. Mas seus charmosos olhos azuis não são páreo para outro exemplar da espécie, muito mais fofo, que habita a TV e os DVDs: Pingu.
Vista por mais de um bilhão de espectadores nos 155 países onde é veiculada, a série de animação originária da Suíça é exibida no Brasil pela TV Cultura.
Empolgada com a audiência de "Pingu" (já chegou mais de uma vez ao segundo lugar no Ibope), a rede lançou dois DVDs da série, que entraram para a lista dos mais vendidos do país dentre os infantis. No site Orkut, há comunidades "Eu amo o Pingu", uma delas com mais de 8.000 integrantes.
Pingu se insere numa lista de pingüins astros (veja página ao lado). Graciosa, a ave é veterana em Hollywood e atraiu holofotes neste ano com o documentário "Marcha dos Pinguins", vencedor do Oscar, e a animação "Happy Feet", que estreou há duas semanas e bateu a bilheteria do novo filme de James Bond, "Cassino Royale".
Pingu, contudo, apesar de pingüim, representa provavelmente a criança mais normal da programação infantil atual. Esse é, aliás, seu grande trunfo e traz à tona uma reflexão para pais e educadores sobre o papel da TV na formação das crianças. Pingu não é como meninos e meninas estereotipados que obedecem os adultos, adoram estudar, comer legumes e dividem brinquedos com amigos (a turminha do famoso dinossauro roxo Barney é um exemplo).
O pingüim se comporta como qualquer ser humano de quatro, cinco anos. Às vezes faz birra, não gosta de verduras, sente ciúme da irmã menor e deixa a casa de pernas para o ar.
Numa de suas maiores travessuras, puxa a toalha da mesa de jantar derrubando tudo no chão e leva da mãe uns tapinhas no bumbum. A cena, verossímil para famílias da espécie humana, é impensável para muitos dos programas infantis modernos, dominados por uma linguagem politicamente correta.
Pingu, é bom que se diga, não é politicamente incorreto ou um pestinha -o que seria um estereótipo para o outro extremo. É amoroso, inteligente, brincalhão e solidário. Suas traquinadas são sempre contornáveis. Ora são repreendidas por seus pais, ora aceitas como parte de uma infância saudável.

Pequenos adultos
"Para uma criança, ter contato com um personagem que retrata a sua realidade é muito positivo, mais até do que ver um universo do qual percebe não fazer parte. É importante se identificar e não se sentir a pior criança do mundo quando faz algo errado", defende Verônica Cavalcante, presidente do Departamento Científico de Saúde Mental da Sociedade Brasileira de Pediatria.
Em sua avaliação, uma série como "Pingu" pode levar os adultos a repensar as relações familiares. "É interessante que se perceba que crianças não são pequenos adultos, como muitos personagens infantis estereotipados. Fazer birra, por exemplo, é parte de seu universo, da falta de compreensão do mundo adulto", diz Cavalcante.
A série "é única por mostrar uma tolerância rara com a infância", na opinião de Beatriz Rosenberg, coordenadora do núcleo infantil da Cultura. "Não é moralizante e se diferencia desse universo muito "limpinho" dos programas para crianças. Pingu, ao mesmo tempo em que é malandrinho e apronta, é afetivo e ajuda os outros. Tem uma complexidade que não vemos em outros personagens infantis", diz.
O próprio Júlio, astro do fenômeno "Cocoricó", da Cultura, tem o seu papel por servir como modelo para o público, mas está longe de ser uma criança real. Segundo Rosenberg, o personagem deve ganhar densidade nos novos episódios. "Ele sentirá inveja da amiga Oriba e não entenderá bem esse sentimento. Acabará entendendo e, no fim, a inveja passa."

Suíça e pelúcia
Pingu vive com o pai (carteiro), a mãe e a irmã menor, Pingá, em um iglu "classe média": dois quartos, banheiro, um ambiente sala/cozinha com sofá, mesa, fogão e telefone. Eles falam "pinguish" ou "pinguinês", língua cheia de sons estranhos. A compreensão independe das falas, e a série torna-se mais universal. "Pingu" foi criada em 1986 para uma TV suíça. Usa a técnica "stop motion", desenvolvida a partir de bonecos de massinha e outros materiais. Apesar de estar a milhas da sofisticação de "Happy Feet", é muito bem produzida e tem roteiros criativos. Foi chamada de "genial" por Álvaro de Moya, veterano da TV e um dos maiores especialistas do país em quadrinhos.
Em 2004, a produtora e distribuidora internacional Hit Entertainment, sediada nos EUA e na Inglaterra, comprou os 105 episódios originais da série, que completou 20 anos em 2006, e produziu outros 52 (a nova safra é veiculada desde o início do ano pela Cultura, que também levou ao ar uma versão mais antiga, na década de 90).
Proprietária da bem-sucedida produção infantil "Barney", entre outras, a Hit passou a centrar seus investimentos em "Pingu" após a decadência do famoso e educativo dinossauro. Em entrevista à Folha, Natalie Petrou, relações públicas da Hit, informou que novas temporadas com o pingüim serão lançadas, agora em um novo formato, com episódios de 30 minutos de duração (os primeiros têm apenas cinco). Os inéditos passam a ter um narrador -e aí mora o perigo de se distanciar da idéia original, em que as ações são suficientemente claras para a compreensão dos telespectadores.
Ao todo, foram vendidos 320 mil DVDs. No Brasil, a venda ultrapassa 20 mil em menos de quatro meses, significativa para um produto segmentado e com divulgação nula. Dentre os infantis, está em terceiro lugar na livraria Cultura e quinto na Fnac.
Outros dois DVDs serão lançados no país, um no próximo mês e outro em março. A Cultura Marcas negocia ainda o licenciamento de produtos, como iglus de brinquedo e Pingu de pelúcia. "Happy Feet" que se cuide.


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