São Paulo, domingo, 03 de dezembro de 2006

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crítica/livro/ "Tantas Palavras"

Versão atualizada de reunião de letras é boa, mas não escapa da "chicolatria"

MANUEL DA COSTA PINTO
COLUNISTA DA FOLHA

"Eu sou seresteiro, poeta e cantor", escreve Chico Buarque na canção "Noite dos Mascarados", num auto-retrato ao qual o jornalista Humberto Werneck acrescenta outros pendores: "Além de futebolista e urbanista amador, durante o exílio Chico andou se aventurando em outros terrenos da criação. Tornou-se, por exemplo, um razoável preparador de massas "al pesto" e "alla carbonara'".
Verso e comentário estão em "Tantas Palavras", reedição de "Chico Buarque: Letra e Música", publicado em 1989. A mudança de título se justifica, pois o livro traz discografia atualizada, caderno de fotografias e nova versão da "reportagem biográfica" de Werneck, que agora abrange o período mais literário da biografia de Chico, marcado pela publicação dos romances "Estorvo", "Benjamin" e "Budapeste".
A seqüência das letras começa com "Tem Mais Samba", de 1964, e termina com a música "Subúrbio". A primeira conclui com os versos "se todo mundo sambasse/ seria tão fácil viver", uma promessa de felicidade que irá desafinando até o momento histórico flagrado pelo disco "Carioca" (2006), em que o samba e o choro se unem ao funk e ao rap suburbanos para dar voz a uma realidade com a qual não há possibilidade de reconciliação.
O texto de Werneck, entretanto, não explora esse viés interpretativo da sociedade brasileira presente na obra de Chico. Baseado em entrevistas e numa admirável capacidade de alinhavar o anedotário sobre o compositor, Werneck produziu um perfil cheio de nuances. Isso inclui desde o namoro do jovem Chico com um movimento religioso ultra-conservador (surpreendente em alguém que viraria defensor de Fidel) até o modo casual como descobriu, numa conversa com os poetas Manuel Bandeira e Vinicius de Moraes, que seu pai, o sociólogo Sérgio Buarque de Holanda, tivera na Alemanha um filho ilegítimo nunca reencontrado.
Werneck às vezes resvala na "chicolatria", mas também expõe opiniões divergentes, em especial dos tropicalistas e dos poetas concretos. Além disso, dá boas chaves de leitura para suas obras, como o processo de composição em parcerias ou o imaginário futebolístico cifrado no romance "Budapeste" (com várias personagens inspiradas na mítica seleção húngara de Puskas).


TANTAS PALAVRAS    
Autor:
Chico Buarque
Editora: Companhia das Letras
Quanto: R$ 59 (504 págs.)


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