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crítica/livro/ "Tantas Palavras"
Versão atualizada de reunião de letras é boa, mas não escapa da "chicolatria"
MANUEL DA COSTA PINTO
COLUNISTA DA FOLHA
"Eu sou seresteiro,
poeta e cantor", escreve Chico Buarque na canção "Noite dos Mascarados", num auto-retrato ao
qual o jornalista Humberto
Werneck acrescenta outros
pendores: "Além de futebolista
e urbanista amador, durante o
exílio Chico andou se aventurando em outros terrenos da
criação. Tornou-se, por exemplo, um razoável preparador de
massas "al pesto" e "alla carbonara'".
Verso e comentário estão em
"Tantas Palavras", reedição de
"Chico Buarque: Letra e Música", publicado em 1989. A mudança de título se justifica, pois
o livro traz discografia atualizada, caderno de fotografias e nova versão da "reportagem biográfica" de Werneck, que agora
abrange o período mais literário da biografia de Chico, marcado pela publicação dos romances "Estorvo", "Benjamin"
e "Budapeste".
A seqüência das letras começa com "Tem Mais Samba", de
1964, e termina com a música
"Subúrbio". A primeira conclui
com os versos "se todo mundo
sambasse/ seria tão fácil viver",
uma promessa de felicidade
que irá desafinando até o momento histórico flagrado pelo
disco "Carioca" (2006), em que
o samba e o choro se unem ao
funk e ao rap suburbanos para
dar voz a uma realidade com a
qual não há possibilidade de reconciliação.
O texto de Werneck, entretanto, não explora esse viés interpretativo da sociedade brasileira presente na obra de Chico. Baseado em entrevistas e
numa admirável capacidade de
alinhavar o anedotário sobre o
compositor, Werneck produziu
um perfil cheio de nuances. Isso inclui desde o namoro do jovem Chico com um movimento religioso ultra-conservador
(surpreendente em alguém que
viraria defensor de Fidel) até o
modo casual como descobriu,
numa conversa com os poetas
Manuel Bandeira e Vinicius de
Moraes, que seu pai, o sociólogo Sérgio Buarque de Holanda,
tivera na Alemanha um filho
ilegítimo nunca reencontrado.
Werneck às vezes resvala na
"chicolatria", mas também expõe opiniões divergentes, em
especial dos tropicalistas e dos
poetas concretos. Além disso,
dá boas chaves de leitura para
suas obras, como o processo de
composição em parcerias ou o
imaginário futebolístico cifrado no romance "Budapeste"
(com várias personagens inspiradas na mítica seleção húngara de Puskas).
TANTAS PALAVRAS
Autor: Chico Buarque
Editora: Companhia das Letras
Quanto: R$ 59 (504 págs.)
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