|
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice
MÚSICA
Crítica/erudito/"Tchaikovsky - Sinfonia nº 4 - Capricho Italiano"
Osesp executa com brilho obra angustiada de Tchaikovsky
Em CD, orquestra acentua melancolia da "Quarta", acompanhada de peça mais leve
JOÃO BATISTA NATALI
COLABORAÇÃO PARA A FOLHA
A
música sinfônica vale
por sua sonoridade e,
teoricamente, não precisa ser explicada por meio dos
problemas psicológicos do
compositor. Mas os biógrafos
de Piotr I. Tchaikovsky (1840-1893) acabaram convencendo
os musicólogos -e os dois grupos são muitas vezes formados
pelos mesmos estudiosos!- de
que as três últimas das seis sinfonias que o compositor russo
escreveu foram produto de insuperáveis conflitos sexuais e,
por conta deles, intermitentes
períodos de depressão.
Faz até sentido. A "Sinfonia
nº 4", composta em 1877, coincide com a farsa de seu efêmero
casamento com a ex-aluna Antonia Milioukova, que ele ingenuamente acreditava poder
"curá-lo" do homossexualismo.
Tchaikovsky dedicou a obra à
mecenas, Nadejda von Meck, a
quem escreveu longa carta em
que menciona eufemicamente
a impossibilidade de conciliar a
realidade e os devaneios. Von
Meck não sabia que ele era gay.
O desabafo tinha algo de inteligência temperamental.
A prevalência sinfônica do
infortúnio tem como desfecho,
em 1893, a "Sexta" e última sinfonia, a "Patética".
Pois bem, a Osesp (Orquestra
Sinfônica do Estado de São
Paulo), sob a regência de seu diretor artístico, John Neschling,
acaba de lançar uma excelente
versão da "Sinfonia nº 4",
acompanhada, no mesmo CD,
pelo "Capricho Italiano", peça
bem mais leve e em nada angustiada do compositor russo.
Uma das características da
Osesp sob Neschling está na
maneira muito límpida e intensa de trabalhar com as cores,
por mais sombrias que elas sejam. Há uma ênfase no brilhantismo, na vivacidade das partituras, levando as idéias musicais a parecerem escancaradamente explícitas. Em se tratando de Tchaikovsky, não há dissimulação: o dramático se torna mais dramático, o patético,
mais patético.
A "Quarta" recebe da orquestra paulista um tratamento brilhante, magnífico, exemplar.
Mais "biográfico".
Essa cultura interna da
Osesp se manifesta já de início,
quando, no primeiro movimento, o andante sustenuto, o
tema inicial é exposto com precisão pelos metais numa seqüência de 12 mi bemóis que
nos mergulham na angústia
sem a mínima piedade. Há um
lindo jogo de contrastes.
O segundo movimento, um
andantino, é marcado fluência
melancólica do oboé; no terceiro, um scherzo, as cordas tocam
em pizicato (beliscadas, e não
com os arcos), como numa pausa para que respiremos com o
oxigênio de belos arpejos. E, no
quarto e último movimento, o
allegro con fuocco, em que todos os naipes reiteram a tradução musical da infelicidade.
TCHAIKOVSKY - SINFONIA Nº 4 -
CAPRICHO ITALIANO
Artista: Osesp (regência de John
Neschling)
Lançamento: Biscoito Fino
Quanto: R$ 32,50, em média
Avaliação: ótimo
Texto Anterior: Conexão pop: A nova viagem de Kanye Próximo Texto: Orquestra já gravou russo em álbuns Índice
|