São Paulo, quarta-feira, 03 de dezembro de 2008

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MÚSICA

crítica

Brasileira toca Scarlatti com piano "livre"

COLABORAÇÃO PARA A FOLHA

O italiano Domenico Scarlatti nasceu em Nápoles em 1685, mesmo ano em que nasciam na Alemanha Bach e Haendel. Morreu aos 72 anos, em Madri, cidade na época distante das igrejas alemãs e das cortes da Itália e da França, onde o barroco "acontecia" como evento musical.
Deixou nada mais que 555 pequenas peças por ele qualificadas de sonatas -elas foram gravadas em 34 CDs pelo cravista americano Scott Ross (1951-1989)- por embojarem idéias e variações relativamente simples, capazes de formar a percepção refinada da música e adestrar ao cravo um punhado de nobres espanhóis.
Daria então para perguntar: o que a pianista brasileira Sonia Rubinsky tem a ver com um repertório já tão conhecido e tão freqüentemente gravado? Pois tem uma fantástica e leal visão daquilo que Scarlatti representou. Creio que ela será lembrada, a partir de agora, como uma das grandes intérpretes do autor napolitano.
Ela trabalha com o piano, o que é uma "liberdade poética" amplamente admissível na reprodução de um período em que teclado era sinônimo de cravo. O piano é um instrumento que não permite apenas um volume sonoro maior e dinâmicas mais amplas. Ele pode, ao mesmo tempo, "estragar" uma peça barroca, dando-lhe um fraseado mais próximo do século 19 ou um andamento narrativo que os contemporâneos de Scarlatti simplesmente desconheciam.
O CD de Sonia Rubinsky (Algol) traz 16 sonatas de um Scarlatti com imensa autenticidade. Ele "respira" a primeira metade do século 18 em suas inflexões, na forma explícita de expor os temas melódicos, nos arpejos.
É como se ela ainda trouxesse implícitas em sua leitura as peças de outros compositores que freqüentou.
Ela gravou em oito volumes a integral para piano de Villa-Lobos (por vezes um suplício polifônico para o intérprete), mas também Mozart, Debussy e os contemporâneos completamente diferenciados, como Olivier Messiaen e John Adams.
Isso dá um diferencial na percepção das modulações, no contingenciamento do potencialmente emocional.
Scarlatti é melodia numa época em que o individualismo não era ainda um valor estético.
Rubinsky sobrepõe a técnica à emoção individual, por exemplo, na "Sonata em Fá Menor", K. 481, a faixa 13 do CD, ou a "Sonata em Ré Maior", K. 492, a faixa 15.
A pianista nasceu em Campinas. Começou a estudar música no Brasil, mudou-se para Israel e se formou nos Estados Unidos, onde viveu por longos anos. Está hoje radicada na França. Esse convívio com conservatórios, professores e uma crítica absolutamente plurais deu com certeza a ela uma percepção singular daquele período tardio da música barroca. É justamente o que as sonatas de Scarlatti se oferecem como grande demonstração. (JBN)

SONATAS DE SCARLATTI
Artista: Sonia Rubinsky
Lançamento: Algol
Quanto: R$ 30, em média
Avaliação: ótimo



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