São Paulo, quinta-feira, 04 de janeiro de 2007

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Harpa indie

Joanna Newsom vira a surpresa da cena indie ao misturar erudito, folk, pop e rock

Hayley Madden/Brainpix
Newsom deve ser uma das atrações do Coachella Festival; inspirada na poesia épica e em livros de Pynchon e Nabokov, formou banda e depois fez carreira solo

LÚCIO RIBEIRO
COLABORAÇÃO PARA A FOLHA

Tem um som estranho no reino das guitarras. A música indie celebrou no final de 2006 o lançamento do CD de uma artista americana que tem 25 anos, mas canta como se tivesse cinco e imitasse uma Björk no jardim-de-infância.
Em suas letras não raro aparece o arcaico "Thee" no meio. O que ela canta parece preso a uma mitologia própria, como se estivesse conversando com a estátua de uma fada dessas de jardim ou alguma outra amiga imaginária. E o instrumento que toca nem de longe se parece com baixo ou guitarra: é uma harpa. Modelo celta.
O nome da artista é Joanna Newsom. Seu mais novo álbum, "Ys", está sendo vendido no Brasil pela loja virtual Peligro (www.peligro.com.br) a R$ 40, e ela é a mais nova musa da música independente, embora se sinta um pouco incomodada com isso.
"Ys" (pronuncia-se "iiiiis"), lançado no meio de novembro último nos EUA, foi recebido pela imprensa especializada roqueira com notas altíssimas e farturas de estrelas. Ganhou um 9,4 (de 10) do badalado site Pitchfork Media, a bíblia rock da geração internet. Em um universo dominado por Gnarls Barkley, Arctic Monkeys e Ghostface Killah, arrancou um sexto lugar nos "álbuns do ano" da revista "Spin". O semanário inglês "New Musical Express", o veículo mais indie do mundo, deu um 8 a "Ys" e chamou o disco de mágico.

Definição difícil
A cena musical não consegue fazer Newsom caber dentro de uma cena específica. Na Wikipedia, sua classificação vai de "indie pop" a "avant-garde modernism", passando por "appalachian music", tipo de folk americano do início do século passado inspirado em música irlandesa e escocesa.
"Eu não acho que me encaixo mesmo em cena alguma", disse Newsom à revista "New York", em uma de suas raras entrevistas. "Eu não me considero uma cantora folk, como dizem. Eu acho que seria uma outra coisa, mas não sei dizer o quê."
As entrevistas de Newsom são raras não porque ela não goste exatamente de conversar com jornalistas. Conforme justificou à revista "Nylon", a harpista fica nervosa por não conseguir pensar claramente (em respostas) e falar (as respostas) em voz alta. Prefere responder em imensos e-mails. À Folha, "adoraria" conceder uma entrevista, mas infelizmente se encontra em uma temporada de shows e não pode falar.
Newsom parece ter sido seqüestrada por roqueiros, quando ia inocentemente a caminho de uma sala de concertos. Até os 18 anos, estudava música no famoso Mills College (Califórnia) e não cantava. Depois, resolveu botar para fora seu entusiasmo por poesia épica, cultura celta e livros de Thomas Pynchon e Vladimir Nabokov e topou formar uma banda, com amigos de escola, em 2003.
No ano seguinte, resolveu lançar sozinha, ela e sua harpa, o CD de estréia "The Milk-Eyed Mender". Nesta altura, já abria shows de grupos pós-rock como o de Devendra Banhart e o Smog. E depois para Cat Power. E depois já tocava em clubes de rock de Los Angeles e megafestivais como o dinamarquês Roskilde.

Sotaque roqueiro
Quando este "Ys" chegou, com um nome inspirado em uma cidade mitológica que teria afundado na Bretanha, Newsom viu-se devidamente acompanhada por uma orquestra. Tudo certo até aqui. Mas as assinaturas de produção do disco puxam a garota e sua harpa para a trilha do rock mais do que nunca. O CD tem arranjos de Van Dyke Parks, colaborador de Brian Wilson (Beach Boys), principalmente no mitológico "Smile".
As harpas e os vocais de Newsom foram gravados por Steve Albini, músico e produtor que trabalhou com Nirvana, Pixies e PJ Harvey. Enquanto parte para uma temporada britânica acompanhada de orquestra (começa dia 14 em Glasgow), a artista é cotada para ser uma das atrações principais do Coachella Festival, um dos principais eventos de rock do mundo. Newsom parece não pertencer a lugar nenhum na música, mas é estranho ver como ela está em todos os lugares.


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