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ANÁLISE
Após 50 anos, obra de Albert Camus permanece atual
Profundidade do pensamento e domínio da forma literária marcam produção do argelino, Nobel de literatura em 1957
MOACYR SCLIAR
COLUNISTA DA FOLHA
Este 4 de janeiro assinala os
50 anos da morte de um dos escritores e intelectuais mais influentes do século 20: Albert
Camus. Nascido em 1913 em
Mondovi, Argélia, Camus era
filho de um francês morto na
Primeira Guerra e de uma descendente de espanhóis. Era,
portanto, um "pied noir", "pé-negro", termo que designa a população de origem francesa que
vivia na Argélia.
Sua infância, em Argel, foi
pobre: trabalhou com o tio, tanoeiro, e a muito custo estudou. Cursou filosofia e doutorou-se com uma tese sobre
Santo Agostinho. Poderia ter
seguido a carreira docente, mas
a tuberculose da qual sofria
(como muitos artistas e intelectuais à época) agravou-se, impedindo-o de trabalhar na área.
Em 1939, mudou-se para a
França e, em 1940, aderiu ao
movimento da resistência contra a ocupação nazista. Ainda
em 1940, fundou, com outros, a
revista "Combat", da qual foi
redator-chefe de 1944 a 1946.
Simultaneamente, dava início à
uma carreira literária que lhe
valeria o Nobel de literatura em
1957. Na Argélia, publicara "O
Avesso e o Direito" e "Bodas em
Tipasa". Seguiram-se "O Estrangeiro", "A Peste", "O Mito
de Sísifo" e "O Homem Revoltado". Também escreveu para o
teatro "Calígula", "Os justos" e
"O Estado de Sítio".
Mãos sujas
Em 1942, conheceu Jean-Paul Sartre, de quem foi amigo
por dez anos e com quem manteve uma das polêmicas mais
famosas do pensamento contemporâneo, vinculada às grandes transformações ocorridas
após a Segunda Guerra.
Com a vitória da União Soviética no fronte oriental, o comunismo stalinista expandiu-se, tomando o poder em vários
países. Porém, a entusiástica
adesão de muitos intelectuais à
Revolução Russa, de 1917, agora dava lugar à decepção, quando não à franca revolta, como
mostram os depoimentos de
Arthur Koestler, Ignazio Silone, Richard Wright, Louis Fischer e Stephen Spender em "O
Deus que Falhou" (1949).
Koestler, autor de "O Zero e o
Infinito", romance anti-stalinista, influenciou muito Camus. Sartre, mais velho que Camus e visto como o expoente
maior do existencialismo, só se
aproxima da política em 1941,
mas, então, sua postura é bem
mais rígida. Ele de certa forma
justifica os excessos do stalinismo e do regime maoista sob o
argumento de que política exige "mãos sujas" ( "Les Mains
Sales", título da peça teatral
claramente autobiográfica descrevendo os conflitos de um jovem intelectual burguês).
Antes sujar as mãos, diz o filósofo, do que ficar em cima do
muro, uma questão, como vemos, muito atual. Ao mesmo
tempo, Sartre manifestava-se
contra o domínio francês na
Argélia que havia desencadeado uma luta de libertação. Camus era a favor da independência, mas contra o terrorismo
usado pela guerrilha. A polêmica entre os dois é descrita em
"Camus e Sartre - O Fim de
uma Amizade", de Ronald
Aronson, publicado no Brasil
pela Nova Fronteira (2007).
Jogo de futebol
Àquela altura, a reputação de
Camus já estava consolidada e
ele viajava pelo mundo inteiro.
Veio ao Brasil, em 1949, e pediu
para assistir a uma partida de
futebol e deu conferências em
várias cidades, apesar de
sentir-se doente -pode ter
havido uma reexacerbação da
tuberculose.
Manoel Bandeira, que esteve
com ele e também era tuberculoso, conta que falaram sobre a
doença e outros temas com
simplicidade: "Não havia nenhum vestígio dessa personagem odiosa que é a celebridade
itinerante. Não parecia um homem de letras. Era um homem
da rua, um simples homem".
A autenticidade, associada à
profundidade do pensamento e
ao domínio da forma literária,
torna a obra de Albert Camus,
morto em 1960 em um acidente
de carro, sempre atual.
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