São Paulo, sexta-feira, 04 de fevereiro de 2005

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In vino veritas

Com o aclamado (porém incrédulo) Paul Giamatti, "Sideways" percorre vinícolas da Califórnia

ED CAESAR
DO "INDEPENDENT"

Quando Deus criou o galã perfeito para Hollywood, provavelmente não tinha em mente Paul Giamatti, o astro de "Sideways -Entre Umas e Outras", que é gordinho e está ficando careca. Mas, no caso desse nova-iorquino ácido, parece que a indústria do cinema não leu o roteiro -Giamatti e "Sideways" conquistaram aplausos da crítica e indicações para toda espécie de prêmio.
"Mas Jude Law não corre o risco de perder papéis para mim, certo?", resmunga Giamatti. A sensação é de que a humildade do ator foi reforçada, depois de anos de pontas, por um sentimento de alívio. "É, eu me sinto bem por enfim estar fazendo papéis principais", reconhece. O desempenho de Giamatti como o cartunista Harvey Pekar em "Anti-Herói Americano", sucesso inesperado do ano passado, causou água na boca, mas foi só com "Sideways", a história de um enófilo (Giamatti) que decide viajar de carro pelas regiões vinícolas de Santa Barbara, na Califórnia, com seu colega de faculdade (Thomas Haden Church), que o mundo decidiu prestar atenção nele.
Os críticos britânicos definiram o desempenho de Giamatti no papel de Miles como "glorioso". Mas, para o sujeito que muita gente do cinema acredita ter sido criminosamente ignorado nas indicações ao Oscar, a carreira de ator nem sempre foi uma certeza.
"Eu estava na faculdade, e um amigo me convenceu a trabalhar numa peça. Eu não estava estudando teatro ou nada disso", relembra. "Depois, me mudei para Seattle para trabalhar com animação, mas conhecia um cara que operava um teatro lá e comecei a ganhar a vida como ator."
O próximo passo na carreira do ator, formado em letras inglesas, foi a Broadway, e, depois de interpretações impressionantes em "Arcadia", de Tom Stoppard, "Racing Demon", de David Hare, e "The Iceman Cometh", com Kevin Spacey, os profissionais de teatro americanos sabiam que um novo e grande talento surgia. De fato, Giamatti estava se saindo tão bem nos palcos que não se dedicou muito a conquistar espaço na indústria cinematográfica. "Pensava em filmes como uma forma de fazer dinheiro enquanto trabalhava no teatro. A mudança aconteceu quando fiz um filme chamado "O Rei da Baixaria". Era um papel maior e melhor do que os que eu havia interpretado. Pensei que era hora de começar a levar o cinema mais a sério."
A despeito de diversos papéis pequenos mas efervescentes em filmes como "Donnie Brasco", Giamatti jamais se sentiu inteiramente confortável com o veículo. "Eu odiava o cinema. Você fica isolado de tudo", se queixa. "Isolado de seu corpo, porque tudo gira em torno do rosto, e isolado dos outros atores. As tomadas em plano médio são divertidas, mas quando chega a hora dos close-ups de rosto, eu continuo a me sentir desconfortável."
Parece quase incompreensível que Giamatti, 37, veterano de mais de 30 filmes entre os quais "O Resgate do Soldado Ryan", ainda se sinta desconfortável diante de uma câmera. Ainda assim, "esse negócio de cinema", expressão que Giamatti usa repetidamente, não parece estar indo mal para ele. "As pessoas do ramo dizem que atores como eu podem florescer nesse "novo" ambiente, mas não estou convencido", afirma. "Não existe uma mudança de paradigma, na minha opinião. Simplesmente tive sorte."
Giamatti se viu envolvido em uma controvérsia que só deve crescer, em Hollywood, se, como se espera, "Sideways" conquistar um ou dois Oscar. "Eu não quero ser ridiculamente autodepreciativo, aqui", diz, "e realmente aprecio que tenhamos sido indicados para essas coisas. Existe uma espécie de ansiedade inútil que acompanha a indicação, mas eu não creio que tenhamos chance de ganhar um prêmio".
Caso"Sideways" receba o prêmio de melhor filme, dentro de algumas semanas, qual seria o seu projeto ideal? "Adorei trabalhar com Mike Newell em "Donnie Brasco". E com Alexander Payne em "Sideways". Tem uma mente literária: gosta de palavras, e eu gosto de palavras". E atores? "Sempre admirei Robert Duvall. Ainda que eu nem imagine o que ele gostaria de fazer em minha companhia. E John Hurt -um ator excelente. Assim, nós três talvez pudéssemos nos envolver em um filme sobre crime."
Por enquanto, o equilíbrio entre pequenos papéis em filmes caros e papéis principais em filmes modestos parece continuar no futuro de Giamatti. Ele acaba de concluir a filmagem de uma minúscula produção independente chamada "The Hawk is Dying" (o falcão está morrendo) e trabalhará com Russell Crowe em "Cinderella Man", cinebiografia de Jim Braddock, que estréia no terceiro trimestre. Por enquanto, teremos de nos deliciar com os prazeres excêntricos de "Sideways".


Tradução Paulo Migliacci

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