São Paulo, sábado, 04 de fevereiro de 2006

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LIVROS

MÚSICA


Historiador André Diniz compõe um retrato cronológico do gênero, mas comete alguns deslizes de informação

Samba é tema de almanaque para iniciantes

LUIZ FERNANDO VIANNA
DA SUCURSAL DO RIO

Autor do bom "Almanaque do Choro" (Jorge Zahar, 2003), o historiador André Diniz aplica agora o formato ao samba. O resultado é satisfatório, levando-se em conta que é um livro muito mais para iniciantes do que para iniciados.
Diniz faz um passeio amplo: remonta ao nascimento da música urbana brasileira no século 19, com lundus e modinhas, e a formação da chamada "pequena África" na região do centro do Rio conhecida como Cidade Nova, onde se deu a pré-história do samba; e chega até os dias de hoje, ressaltando as novas casas dedicadas ao gênero.
O autor optou por balizar esse passeio, principalmente, com nomes que protagonizaram a trajetória do samba, de Caninha a Nei Lopes e Wilson Moreira. A fórmula é eficiente, pois permite ao leitor ter acesso a várias biografias resumidas, mas tem o senão das redundâncias: algumas informações se repetem nos perfis.
Justificando o formato de almanaque, os oito capítulos têm vários boxes dedicados a pessoas, momentos históricos e curiosidades. Alguns soam desnecessários, como o reservado a Chacrinha, mas a maioria é útil para mostrar o contexto em que certas mudanças ocorreram ou para descontrair a narrativa.

Opções contestáveis
Há pequenos deslizes de informação e algumas opções discutíveis. No primeiro caso está, por exemplo, a afirmação de que o verso "Semente de amor sei que sou desde nascença" é de "Quem me Vê Sorrindo", quando é de "Não Quero Mais Amar a Ninguém", outra parceria de Cartola e Carlos Cachaça -neste caso, também assinada por Zé da Zilda.
Zeca Pagodinho também não participou do disco "Raça Brasileira", em 1985, "com a explosão do pagode". Na verdade, o pagode, como subgênero do samba, surgiu a partir de "Raça Brasileira", pois os discos anteriores de Fundo de Quintal e outros ainda não eram tratados pela indústria como um novo filão.
Um dos trechos contestáveis é o que classifica Francisco Alves como "elo entre o caráter lúdico da música do morro e a profissionalização do asfalto". Ao gravar sambas de Ismael Silva, Bide, Cartola e outros -muitas vezes pagando para ser autor ou co-autor-, o cantor realmente revelou esses autores, mas eles não faziam samba apenas como passatempo.
Foram eles que inventaram as escolas de samba, batalharam pela aceitação pública delas e, se precisaram de "brancos" como Alves e Mário Reis para ser gravados, é porque viviam socialmente marginalizados -como ainda vivem muitos grandes sambistas.
Diniz também aceita a versão mítica de que Geraldo Pereira (autor de "Escurinho", "Falsa Baiana" e outros clássicos) morreu em 1955 depois de tomar um soco do malandro Madame Satã. É verdade que ainda há mistério em torno da morte de Pereira, mas essa versão já foi bastante contestada e deve ser vista com ressalvas.
Também é uma pena que o morro do Salgueiro (zona norte do Rio) ganhe apenas um box, dada a importância do compositor e líder comunitário Antenor Gargalhada para a história do samba e dos Acadêmicos do Salgueiro para a introdução dos temas negros (Zumbi, Xica da Silva, Chico Rei) no Carnaval.
Por outro lado, Diniz se mostra corajoso em algumas opções. Peitando o purismo, ele defende a bossa nova como maravilhosa derivação do samba e ressalta o valor das fusões, como as feitas pelo mangue beat, por Marcelo D2 e por Fernanda Abreu -além das incursões de intérpretes pop como Cássia Eller e Zélia Duncan no repertório do samba. Desqualificar essas misturas a priori é manter o gênero em guetos.
As ressalvas feitas aqui não reduzem o valor do livro. "Almanaque do Samba" é uma boa contribuição à bibliografia sobre o assunto, ainda inferior à importância que ele tem. Para quem gosta do tema e quer conhecê-lo melhor, pode ser um ótimo início.
Ainda há, no final do livro, uma discografia preparada pelo colecionador Flávio Torres e uma lista de livros de referência para quem quer se enfronhar mais.


Almanaque do Samba
  
Autor: André Diniz
Editora: Jorge Zahar
Quanto: R$ 34,50 (276 págs.)


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