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LIVROS
MÚSICA
Historiador André Diniz compõe um retrato cronológico do gênero, mas comete alguns deslizes de informação
Samba é tema de almanaque para iniciantes
LUIZ FERNANDO VIANNA
DA SUCURSAL DO RIO
Autor do bom "Almanaque
do Choro" (Jorge Zahar,
2003), o historiador André Diniz
aplica agora o formato ao samba.
O resultado é satisfatório, levando-se em conta que é um livro
muito mais para iniciantes do que
para iniciados.
Diniz faz um passeio amplo: remonta ao nascimento da música
urbana brasileira no século 19,
com lundus e modinhas, e a formação da chamada "pequena
África" na região do centro do Rio
conhecida como Cidade Nova,
onde se deu a pré-história do
samba; e chega até os dias de hoje,
ressaltando as novas casas dedicadas ao gênero.
O autor optou por balizar esse
passeio, principalmente, com nomes que protagonizaram a trajetória do samba, de Caninha a Nei
Lopes e Wilson Moreira. A fórmula é eficiente, pois permite ao
leitor ter acesso a várias biografias
resumidas, mas tem o senão das
redundâncias: algumas informações se repetem nos perfis.
Justificando o formato de almanaque, os oito capítulos têm vários boxes dedicados a pessoas,
momentos históricos e curiosidades. Alguns soam desnecessários,
como o reservado a Chacrinha,
mas a maioria é útil para mostrar
o contexto em que certas mudanças ocorreram ou para descontrair a narrativa.
Opções contestáveis
Há pequenos deslizes de informação e algumas opções discutíveis. No primeiro caso está, por
exemplo, a afirmação de que o
verso "Semente de amor sei que
sou desde nascença" é de "Quem
me Vê Sorrindo", quando é de
"Não Quero Mais Amar a Ninguém", outra parceria de Cartola
e Carlos Cachaça -neste caso,
também assinada por Zé da Zilda.
Zeca Pagodinho também não
participou do disco "Raça Brasileira", em 1985, "com a explosão
do pagode". Na verdade, o pagode, como subgênero do samba,
surgiu a partir de "Raça Brasileira", pois os discos anteriores de
Fundo de Quintal e outros ainda
não eram tratados pela indústria
como um novo filão.
Um dos trechos contestáveis é o
que classifica Francisco Alves como "elo entre o caráter lúdico da
música do morro e a profissionalização do asfalto". Ao gravar
sambas de Ismael Silva, Bide, Cartola e outros -muitas vezes pagando para ser autor ou co-autor-, o cantor realmente revelou
esses autores, mas eles não faziam
samba apenas como passatempo.
Foram eles que inventaram as
escolas de samba, batalharam pela aceitação pública delas e, se precisaram de "brancos" como Alves
e Mário Reis para ser gravados, é
porque viviam socialmente marginalizados -como ainda vivem
muitos grandes sambistas.
Diniz também aceita a versão
mítica de que Geraldo Pereira
(autor de "Escurinho", "Falsa
Baiana" e outros clássicos) morreu em 1955 depois de tomar um
soco do malandro Madame Satã.
É verdade que ainda há mistério
em torno da morte de Pereira,
mas essa versão já foi bastante
contestada e deve ser vista com
ressalvas.
Também é uma pena que o
morro do Salgueiro (zona norte
do Rio) ganhe apenas um box, dada a importância do compositor e
líder comunitário Antenor Gargalhada para a história do samba
e dos Acadêmicos do Salgueiro
para a introdução dos temas negros (Zumbi, Xica da Silva, Chico
Rei) no Carnaval.
Por outro lado, Diniz se mostra
corajoso em algumas opções. Peitando o purismo, ele defende a
bossa nova como maravilhosa derivação do samba e ressalta o valor das fusões, como as feitas pelo
mangue beat, por Marcelo D2 e
por Fernanda Abreu -além das
incursões de intérpretes pop como Cássia Eller e Zélia Duncan no
repertório do samba. Desqualificar essas misturas a priori é manter o gênero em guetos.
As ressalvas feitas aqui não reduzem o valor do livro. "Almanaque do Samba" é uma boa contribuição à bibliografia sobre o assunto, ainda inferior à importância que ele tem. Para quem gosta
do tema e quer conhecê-lo melhor, pode ser um ótimo início.
Ainda há, no final do livro, uma
discografia preparada pelo colecionador Flávio Torres e uma lista
de livros de referência para quem
quer se enfronhar mais.
Almanaque do Samba
Autor: André Diniz
Editora: Jorge Zahar
Quanto: R$ 34,50 (276 págs.)
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