São Paulo, domingo, 04 de fevereiro de 2007

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Crítica/"Sem Sol" e "La Jetée"

Marker faz ensaios sobre o desconcerto

JOSÉ GERALDO COUTO
COLUNISTA DA FOLHA

Com atraso considerável, começa a chegar ao DVD o cinema desconcertante do diretor francês Chris Marker, 85.
Estigmatizado por alguns como panfletário, por conta de seus documentários sobre a China, a Sibéria e Cuba, em seus melhores momentos Marker subverte as fronteiras entre o documentário e a ficção, construindo ensaios poético-filosóficos que ficam em algum lugar entre a fantasia rigorosa de um Resnais e as colagens espetaculosas de um Reggio.
Os dois filmes lançados agora em um único DVD estão entre os mais marcantes do cineasta.
O longa "Sem Sol" (1982) usa como pretexto as cartas escritas por um cinegrafista que viaja pelo planeta (comentadas em "off" por uma mulher) para fazer uma meditação audiovisual sobre os diferentes tempos e culturas que coexistem no mundo contemporâneo.
Numa associação de imagens ditada pela memória afetiva e pelo impulso crítico, o filme contrapõe o cotidiano, os rituais religiosos e as formas de opressão em comunidades tão díspares quanto a paupérrima Guiné-Bissau e o avançadíssimo Japão, passando por uma idílica (e depois apocalíptica) Islândia e pela San Francisco filmada por Hitchcock em "Um Corpo que Cai".
A subjetividade comanda a organização e manipulação desses fragmentos do mundo, em que a tela preta e o congelamento da imagem reforçam a carga dramática.
Ainda mais interessante e radical é "La Jetée" (1963), que o próprio diretor define como "uma fotonovela". Construído unicamente com imagens fixas em preto-e-branco (e a indefectível narrativa em "off"), esse curta-metragem "sui generis" é ambientado num mundo pós-apocalipse nuclear, em que, para fugir da radioatividade, todos os sobreviventes moram nos subterrâneos.
Os vencedores da guerra usam prisioneiros como cobaias de experiências em busca de um buraco no tempo que permita viagens ao futuro e ao passado para obter alimentos, remédios e fontes de energia.
O protagonista é escolhido para essas experiências por sua ligação muito forte com uma imagem do passado, a de um rosto de mulher no terraço do aeroporto de Orly instantes antes da morte de um homem.
Nessa trágica história de amor misturada com sinistra distopia, mais uma vez o motor é a memória, o grande tema do cinema de Chris Marker.


SEM SOL/LA JETÉE     
Diretor:
Chris Marker
Lançamento: Aurora
Quanto: R$ 34,90, em média


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