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Crítica/"Sem Sol" e "La Jetée"
Marker faz ensaios sobre o desconcerto
JOSÉ GERALDO COUTO
COLUNISTA DA FOLHA
Com atraso considerável, começa a chegar ao
DVD o cinema desconcertante do diretor francês
Chris Marker, 85.
Estigmatizado por alguns como panfletário, por conta de
seus documentários sobre a
China, a Sibéria e Cuba, em
seus melhores momentos Marker subverte as fronteiras entre
o documentário e a ficção,
construindo ensaios poético-filosóficos que ficam em algum
lugar entre a fantasia rigorosa
de um Resnais e as colagens espetaculosas de um Reggio.
Os dois filmes lançados agora
em um único DVD estão entre
os mais marcantes do cineasta.
O longa "Sem Sol" (1982) usa
como pretexto as cartas escritas por um cinegrafista que viaja pelo planeta (comentadas
em "off" por uma mulher) para
fazer uma meditação audiovisual sobre os diferentes tempos
e culturas que coexistem no
mundo contemporâneo.
Numa associação de imagens
ditada pela memória afetiva e
pelo impulso crítico, o filme
contrapõe o cotidiano, os rituais religiosos e as formas de
opressão em comunidades tão
díspares quanto a paupérrima
Guiné-Bissau e o avançadíssimo Japão, passando por uma
idílica (e depois apocalíptica)
Islândia e pela San Francisco
filmada por Hitchcock em "Um
Corpo que Cai".
A subjetividade comanda a
organização e manipulação
desses fragmentos do mundo,
em que a tela preta e o congelamento da imagem reforçam a
carga dramática.
Ainda mais interessante e radical é "La Jetée" (1963), que o
próprio diretor define como
"uma fotonovela". Construído
unicamente com imagens fixas
em preto-e-branco (e a indefectível narrativa em "off"), esse
curta-metragem "sui generis" é
ambientado num mundo pós-apocalipse nuclear, em que, para fugir da radioatividade, todos os sobreviventes moram
nos subterrâneos.
Os vencedores da guerra
usam prisioneiros como cobaias de experiências em busca
de um buraco no tempo que
permita viagens ao futuro e ao
passado para obter alimentos,
remédios e fontes de energia.
O protagonista é escolhido
para essas experiências por sua
ligação muito forte com uma
imagem do passado, a de um
rosto de mulher no terraço do
aeroporto de Orly instantes antes da morte de um homem.
Nessa trágica história de amor
misturada com sinistra distopia, mais uma vez o motor é a
memória, o grande tema do cinema de Chris Marker.
SEM SOL/LA JETÉE
Diretor: Chris Marker
Lançamento: Aurora
Quanto: R$ 34,90, em média
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