São Paulo, quarta, 4 de fevereiro de 1998

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Cineasta é tema do ciclo 'Ivanpirismo, a História de um Olho', no MIS
Ivan Cardoso é mestre em aproximar imagens distantes

INÁCIO ARAUJO
Crítico de Cinema

Se muita gente pensou a relação cultura popular/alta cultura no Brasil, poucos conseguiram articular tão bem essa passagem quanto Ivan Cardoso.
Cardoso é um provocador que consegue abrigar no mesmo balaio Glauber e Júlio Bressane, Hélio Oiticica e Zé do Caixão, Nosferatu e o Anjo, o Nô e o pornô.
Essa capacidade de aproximar imagens distantes, que dificilmente se comunicam, poderá ser comprovada no ciclo "Ivanpirismo, a História de um Olho", de hoje a 8 de fevereiro, no Museu da Imagem e do Som (MIS) de São Paulo.
Um outro aspecto importante desse trabalho, que são os vários suportes em que trabalha o cineasta -super-8, 16 mm, 35 mm, vídeo-, também será abordado.
Isso acontece nos dois debates a serem realizados (amanhã e dia 6, às 22h), em que a composição da mesa é bem sintomática dessa variedade: estarão desde José Simão, colunista da Folha e ator de "A Múmia Volta a Atacar" (de 1972, a ser apresentado amanhã, às 17h) até Ivan Isola, produtor, passando por Jairo Ferreira -talvez o mais importante cultor do super-8 no Brasil, ao lado de Cardoso- e Décio Pignatari, poeta.
Mas é nos filmes que se poderá observar a variedade de sua produção. Entre os muitos curtas a serem apresentados, será possível ver raridades como "Alô Alô Cinédia", making of de "O Rei do Baralho", de Júlio Bressane (dia 7, 15h), ou o documentário "Moreira da Silva", que resgata o mestre do samba de breque (dia 7, 21h).
Ainda no setor raridades -vasto, no caso-, são a não esquecer "Nosferatu no Brasil", média em super-8 em que Torquato Neto comparece como ator (dia 7, 17h), "À Meia-Noite com Glauber", que registra o encontro entre Glauber e o artista plástico Hélio Oiticica (dia 7, 21h) e "Dr. Dyonélio", documentário sobre o romancista Dyonélio Machado, a partir de texto de Décio Pignatari (dia 6, 21h).
Existe ainda o nada desprezível setor de longas-metragens comerciais do diretor. Se os curtas, documentários e ensaios em super-8 prefiguram um universo, ele toma forma efetivamente nos longas.
Alguns fizeram sucesso, como "O Segredo da Múmia" (dia 7, 19h), que revisita o Egito Antigo, tal como visto por Hollywood, revisitado pela chanchada e reciclado num momento pós-Zé do Caixão. Ou ainda o simpático "As Sete Vampiras" (dia 8, 19h).
Mas o espectador poderá, sobretudo, agarrar a chance para ver "O Escorpião Escarlate" (dia 6, 19h), filme de 1993 sobre uma fã do seriado de rádio "O Anjo", dos anos 50, que em dado momento se integra às aventuras de seu herói.
É uma comédia policial de primeira, que, devido ao descrédito do cinema brasileiro naquele momento, passou em brancas nuvens. Mas ela sintetiza o universo do cineasta: obsessão com os anos 50, elegância nas imagens, reconstituição de época apaixonada.
Poderá-se com justa razão dizer que falta nos debates uma personagem básica desse cinema: o roteirista R.F. Luchetti, que ele tomou de empréstimo a José Mojica Marins -o Zé do Caixão- e que mais ou menos garante o amálgama da geléia geral em que Cardoso vai juntando popular e nacional, alta e baixa cultura com uma desenvoltura que muitas vezes faz esquecer o quanto isso é difícil e o trabalho que implica. Mas, claro, isso está longe de invalidar esse ciclo provocador.



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