São Paulo, sexta-feira, 04 de março de 2005

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Moby fala sobre seu novo disco, "Hotel", comenta atual situação política dos Estados Unidos e diz sentir vergonha de ser norte-americano

Pânico em NY

LUCIANA COELHO
DE NOVA YORK

Richard Hall é um sujeito franzino, careca, sentado com um dos pés sobre o sofá, que observa atento o movimento à sua volta. Tem quase 40 anos (aniversário: 11 de setembro), mas não aparenta; é americano, mas faz questão de se dizer envergonhado; descende de um dos mais célebres escritores do país, mas nem comenta; divide-se entre inúmeras atividades, mas parece calmo; se apresenta como tiete, mas é um ídolo. Richard, desde que nasceu, atende pelo apelido Moby.
Não dá para colar uma etiqueta em alguém que vai da música ambiente ao punk rock com destreza e faz discos que vendem de menos de 100 mil cópias ("Animal Rights", 1996) a quase 10 milhões ("Play",1999). Prolífico e incansável seriam as mais aceitáveis.
No mês passado, Moby recebeu a Folha em um hotel em Nova York para falar de música, política e do novo disco ("Hotel" chega às lojas no próximo dia 14). A turnê, diz, deve incluir uma passagem pelo Brasil em setembro ou outubro, ainda não confirmada. Ah, sim: o apelido vem de Moby Dick, livro de seu antepassado Herman Melville. Leia os principais trechos da entrevista:

 

Folha - "Hotel" destoa de seus últimos trabalhos. Você não usou sampler nenhuma vez. Por quê?
Moby -
Foi assim que saiu naturalmente, porque eu acabei escrevendo umas 200 músicas e algumas tinham samplers, mas eu não gostava tanto delas. É um disco mais pessoal, e eu achei que para conseguir isso faria sentido maneirar nos samplers.

Folha - Vamos ter chance de ouvir as músicas descartadas?
Moby -
Algumas não eram boas. Joguei fora. Algumas devem sair como B-sides, e estou pensando em soltar um disco de punk rock, ou de disco, sob um pseudônimo.

Folha - "Hotel" soa nostálgico. Você estava se sentindo assim?
Moby -
Muito. O que tem acontecido, principalmente em Nova York, é que um monte de músicas de que eu gostava na adolescência voltaram à moda. Você entra num bar e está tocando Joy Division, passa na rua e tem um menino de 19 anos com uma camiseta do Cure. Muitas bandas nova-iorquinas soam como se fossem dos anos 80: Interpol, Strokes, Yeah Yeah Yeahs, Rapture... Isso me deu uma liberdade para fazer um disco que lembrasse os anos 80.

Folha - As coisas estavam muito ruins para forçar essa volta?
Moby -
Os anos 90 foram uma época muita ruim para o rock nos EUA. Como a música alternativa não vendia muito nos anos 80, foi feita muita coisa interessante. De repente, com o Nirvana, as pessoas viram que música alternativa podia vender discos e enriquecer gente, e as gravadoras passaram a contratar um monte de bandas que soam iguais. Acho que a razão para haver tanta gente olhando para os anos 80 é que naquela época havia Joy Division, Devo, Pixies -música experimental de verdade-, e nos anos 90 tem Limp Bizkit e Creed...

Folha - "Hotel" é mais político do que seus últimos álbuns.
Moby -
É que ele é mais pessoal. O interessante na relação entre política e arte é poder abordar o aspecto humano. Por exemplo, "Lift me Up" é política, mas de um modo quase antropológico. Não é um protesto aberto.

Folha - Como foi participar da campanha presidencial ao lado de John Kerry?
Moby -
Foi muito interessante. Eu já havia me envolvido com política no passado, mas não a esse ponto. A maioria de nós dava como certa a vitória de Kerry, porque era óbvio que ele era um candidato melhor. Achávamos que, se a região central do país soubesse a verdade sobre Bush, não votaria nele. Só que a verdade não importa para eles. Eles gostam de Bush porque ele parece um cara que você convida para um churrasco. Essas pessoas nunca saem de seus Estados, tudo o que eles sabem do resto do mundo vem da Fox News. Por isso elas têm uma visão muito estreita e simplista do mundo. Os EUA votaram no candidato do churrasco.

Folha - Você está frustrado?
Moby -
Frustrado e envergonhado. Eu viajo e tenho vontade de dizer que eu não sou americano, sou nova-iorquino. NY é quase um país europeu bem pequeno encravado na costa dos EUA. Quando penso nos EUA centrais, nos caras que adoram suas armas, vêem as corridas de Nascar, ouvem country music e gostam de queimar livros, penso que aquele não é o meu mundo. Acho que esse país devia ser dividido em dois.

Folha - Isso não é elitista?
Moby -
Eu fico feliz em ser elitista se o meu elitismo se opõe à ignorância. As prioridades dos EUA estão invertidas. Essas pessoas deveriam ser tiradas do poder, pois abusaram dele. Sabe, eu tenho essa fantasia de que os outros países vão fazer uma intervenção nos EUA, vão tomar o nosso poderio militar e dizer que só nos devolverão quando estivermos adultos.


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